quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Medicina e Política

Honra-me inaugurar este magno conclave a cuja presidência honorária me guindou generosa indicação da comissão organizadora, sob a infatigável liderança do professor Dary Oliveira, para dar-vos as boas vindas, augurando proveitosos trabalhos que não impeçam o gozo de nossa hospitalidade e das belezas da terra cearense.

Passo sem delongas ao tema que me foi confiado a título de conferência de abertura para a qual trago como única credencial o conhecimento feito de experiência própria, médico e político que sou, assim como o foi também meu pai. O assunto sobre o qual pedem me debruce, as relações históricas entre a medicina e a política, exigem conhecimento de que me ressinto e tempo de que não disponho. Aí há matéria, não para uma aula, mas para um curso inteiro. Dar-me-ei por bem recompensado se o esforço de síntese que empreendo desperte interesse de quem se alongue em novos estudos nesse fascinante campo da história da medicina.

A história da medicina é também a história da evolução do poder médico. Para melhor interpretar a conexão da medicina com a política, é mister conhecer suas relações com o Estado, as pessoas e as instituições da sociedade, estabelecidas através de seus agentes, os médicos. Assim melhor se alcançará a forma pela qual se dá o envolvimento da medicina com a política e de como médicos nela ingressam.

O professor Jean Bernard, renomado médico francês, divide a história da medicina em cindo períodos. A saber:

1 – Período Mágico – tudo depende dos deuses aos quais está entregue o destino dos homens, e a doença faz parte deste destino. É desnecessário examinar e tratar os doentes. É o tempo dos sacerdotes e dos profetas, dos adivinhos.
2 – Período de Hipócrates – é no século V aC. que se busca a causa das doenças, se descrevem sintomas, se faz comparação de casos e se prevê a evolução da doença. Este longo período, que marca o início da medicina como ocupação, igualmente ineficaz, em nada acrescenta ao poder do médico.
3 – Período do Século XIX - é quando se dá a grande mudança que abriria espaço para a fase científica da medicina com as contribuições fundadoras, entre outros de Pasteur, Claude Bernard e Mendel que permitiram o surgimento das vacinas, da cirurgia e obstetrícia modernas.
4 – Período Terapêutico – não obstante os avanços científicos, a impotência terapêutica do médico se mantinha. A partir de 1936, com o surgimento das sulfas, da penicilina, dos hormônios, numa sucessão de descobertas, a situação muda, e a medicina torna-se mais eficaz.
5 – Período Racional – se a medicina do século XX foi muito diferente da praticada nos séculos passados, a do século XXI será rigorosa, muito eficaz, voltada para a prevenção e a predição, que se empenhará em ser universal, mas ao mesmo tempo reconhecerá o caráter único de cada homem. (Jean Bernard em “Esperanças e Sabedoria da Medicina”).

O desenvolvimento da medicina, registrado nos vários períodos em que se divide sua história, não eliminou de todo a natureza sagrada de seus primórdios nem o cunho sacerdotal dos primeiros praticantes. Ai residem as raízes do poder médico sobre os pacientes e a sociedade, tal o conhecemos hoje.

Durante todo esse tempo a humanidade mudou e com ela a medicina. O poder do médico sobre o paciente se consolidou, e a profissão ganhou projeção, as estruturas sociais que se constituíram, dentro e fora do estado, acabaram por legitimar esse poder, originando uma ideologia que guarda uma dinâmica de “dominação e submissão”, segundo Jaime Landmann, perante o indivíduo e a política.

Assim como o padre diz quem é santo e quem é pecador, e o juiz aponta quem é culpado e quem é inocente, o médico decide quem é doente e quem é são. A delegação que recebe dá-lhe esse direito, o grande poder de julgar.

O namoro da medicina com a política embute o risco da manipulação e da submissão, inaceitáveis ambas. O homem moderno cobra cada vez mais o direito à saúde, e os políticos usam a demanda para promover suas carreiras.

A colaboração construtiva da medicina com a política produziu páginas na história da humanidade que só engrandecem seus autores. A submissão aos ditames da política dominante, por outro lado, gerou fatos vergonhosos que cobriram de opróbrio a medicina e os médicos. Refiro-me ao comportamento indecoroso dos médicos que, a serviço de ideologias extremas, sacrificaram vidas nos campos de concentração nazista em nome da eugenia, ou de experimentos abjetos em seres humanos, confinaram dissidentes políticos em manicômios soviéticos, chancelaram a tortura nas masmorras das ditaduras. A cegueira ideológica não poupou médicos conceituados e professores de renome que, bestializados pela política, esqueceram a lealdade ao paciente, como prescreve o juramento de Hipócrates, para servir, incondicionais, a Estados totalitários. O vínculo com o Estado, que transforma o médico em agente duplo, na expressão de Landmann, não o desobriga do primeiro dever, que é para com o doente.

Se a servidão da medicina ao poder a avilta e rebaixa, a política não está vedada aos médicos, que podem fazer dela instrumento para realização de seus ideais. Esta, aliás, foi a visão de Virchow, o médico alemão que fundou a moderna patologia. Em 1848, foi designado pelo governo para estudar uma epidemia de febre tifóide que ocorria na Silésia, então território da Prússia, hoje parte da Polônia. Revoltado com a miséria da população, a desigualdade de renda e o analfabetismo, para combater a disseminação da doença, recomenda a adoção de várias medidas que resumiu na frase – “Democracia irrestrita, mais educação e melhoria do nível de vida”. Teve intensa atuação política. Foi vereador em Berlim, Deputado Estadual e Federal e um dos fundadores do Partido Progressista Alemão (1860). Defendia a união entre as idéias médicas e políticas para o controle mais rápido e eficaz das moléstias, pois atribuía importância às condições sócioeconômicas da população no surgimento e difusão da doença. Opunha-se assim, de certa maneira, aos que, entusiasmados com a descoberta por Koch do Bacilo da tuberculose, desconsideravam a importância do meio e das condições sociais da população na gênese e propagação da doença. Virchow foi uma ponte entre a ciência e a política. Acreditava que a medicina e a prática da saúde pública, aplicadas politicamente, poderiam transformar a sociedade. Por suas idéias, foi afastado da Universidade de Berlim a ela retornando anos depois.

Foi o cientista autor do texto canônico da medicina, “Patologia Celular” (1858), no qual desenvolve a tese de que a sede da doença está na célula. Sem esquecer a política, usa no texto, de caráter científico, a metáfora da “república das células” e da “democracia celular”. Conciliou competência científica com convicções políticas, conseguindo assim lançar as bases de uma nova patologia e da medicina social. Interpelado por Bismarck, seu opositor, em razão de seu comportamento, atribuiu ao médico o papel de “advogado natural dos pobres”, e resumiu seu ideal na frase “A Medicina é uma ciência social, e a política não é mais que a medicina em grande escala.” Para melhor exercê-lo, tornou-se político.

Na cátedra, no parlamento, e através do jornal “Reforma Médica”, fundado por ele, Virchow pugnou com ardor em defesa de seu pensamento. Defendia a escolha do ministro da saúde pelo voto direto dos médicos, melhores salários, maior relevância social para a classe médica e a criação de um serviço público de saúde. Foi um reformador que lutou por mudanças políticas e sociais que transcendiam à medicina.

Na prática, como vereador de Berlim, colaborou para a instalação de esgoto, saneamento, e higiene dos alimentos. Ajudou a transformá-la na cidade mais limpa da Europa.

A divulgação de suas idéias conquistou adeptos na Alemanha e em outros países, o que foi determinante para a expansão do conceito de medicina social e a realização das reformas médicas na metade do século XIX. A empolgação com a era microbiana da medicina e a ênfase posterior nas causas biológicas das enfermidades cresceram a biomedicina, mas a relevância dos fatores econômicos e sociais na determinação das doenças nunca poderia ser esquecida. Os dois conceitos, o de Flexner, que valoriza o individual, e o de Virchow, que privilegia o social, têm ambos sua validade, e a boa medicina deve integrá-los. Tratar bem dos doentes e combater de modo eficaz as doenças exige preparo técnico e compreensão política.

Na América Latina também se fez sentir a influência de Virchow no desenvolvimento da medicina. Salvador Allende, no Chile, e Manuel Vitorino, no Brasil, são dois exemplos de médicos e políticos sensibilizados por suas propostas.

Allende esteve entre os alunos do patologista alemão Max Westenhofer, discípulo de Virchow, que dirigiu por alguns anos o departamento de patologia da escola médica da Universidade do Chile, o que certamente contribuiu para formar a consciência que iria orientar sua atuação como médico e político. Ministro da saúde de um governo popular, em 1939, escreveu um livro “A Realidade Médico Social Chilena”, no qual traça um agudo panorama da situação de saúde da população, relacionando-a com as más condições de vida dos trabalhadores, o endividamento e a dependência internacional do país. No início dos anos 50, investido do mandato de senador, cria a legislação que institui o serviço nacional de saúde, em parte inspirado no serviço público de saúde proposto por Virchow. É o primeiro programa nacional das Américas que garante o acesso universal aos serviços. Sua morte trágica, em 1973, deposto da presidência do país por um golpe militar, foi o pesado tributo pago por suas crenças políticas que sonhou realizar pela via democrática.

Manuel Vitorino (1853 – 1902), médico bahiano de origem humilde, ajudou o pai no comércio e foi marceneiro, para reunir as condições de seguir os passos do irmão, ingressando na Faculdade de Medicina onde brilhou como aluno e professor. A faculdade, então chamada Academia de Medicina, era o centro em torno do qual girava a cultura e a intelectualidade da Bahia. Cursá-la era o caminho para a ascensão social. Os professores valorizavam a retórica, o culto obsessivo da língua, o ensino deixava muito a desejar e a medicina pouco tinha de ciência. As faculdades de direito estavam no Recife e em São Paulo, mas entre os doutores bahianos havia muito de bacharelismo. Daí saíram muitos médicos que brilharam na política no segundo reinado e albores da república, entre eles Manuel Vitorino, tido por Gilberto Freyre como quase outro Rui Barbosa na eloqüência. Neste cenário avulta a contribuição dada por um grupo de estrangeiros, o inglês Patterson, o alemão Wucherer, o português Silva Lima e o maranhense Nina Rodrigues, pesquisadores diligentes que, estudando doenças mal conhecidas, embora muito incidentes na província, fundaram a escola tropicalista bahiana, embrião da medicina científica que viria a transformar o ensino e a prática médica na faculdade pioneira do Brasil. A ação desses precursores se deu em meio à oposição dos conservadores, que viam com desconfiança o papel inovador do pequeno grupo, para o qual foi atraído Manuel Vitorino, em seqüência a seu irmão que já o integrava. A proximidade com os pesquisadores pavimentou-lhe o caminho para uma rápida e vitoriosa carreira docente, impulsionada por uma viagem que empreendeu à Europa em 1879 quando teve a oportunidade de visitar os grandes centros médicos de Londres, Berlim e Viena. Assiste às operações de Lister com o emprego do método antisséptico, freqüenta aulas de Robert Koch, conhece Rudolf Wirchow e fica fascinado pelo desempenho de Billroth, o criador da alta cirurgia do aparelho digestivo. De volta ao Brasil, inclina-se pela cirurgia, introduz a assepsia aprendida com Lister nos atos operatórios, galga por concurso a cátedra de cirurgia. Torna-se o mais respeitado e procurado cirurgião de seu estado.

Da viagem à Europa, Manuel Vitorino não trouxera apenas conhecimentos avançados de técnica operatória, mas veio consigo também o germe da política, despertado, quem sabe, pelas idéias de Virchow, com quem esteve, e a consciência do atraso do Brasil, ignorante e escravista.
Sua militância política se inicia em 1885, com artigos publicados na Gazeta da Bahia onde dá combate à escravidão, à vitaliciedade do Senado e prega o federalismo. Na verdade, a política já o seduzia há tempos, pois, doutorado pela Faculdade de Medicina, logo se inscrevera no Partido Liberal, atraído pelo brilho de Rui Barbosa de quem se torna companheiro. Com o advento da República, por indicação deste, ministro da fazenda do governo provisório, é investido no cargo de governador da Bahia. Entre seus atos mais importantes estão a extinção dos partidos políticos, a instituição do ensino primário obrigatório e leigo, a criação de fundo escolar para financiar a educação e o estabelecimento da higiene escolar, que chegou a regular a dieta e o repouso das crianças. O ímpeto reformista de Manuel Vitorino não encontrou eco entre os políticos bahianos e a oligarquia conservadora rural que não tardaram a intrigá-lo com Hermes da Fonseca, comandante da guarnição militar e irmão do Presidente Deodoro da Fonseca. Sem apoio para seu audacioso programa, lança um apelo patético “pela união do elemento político antigo e do elemento político novo”. Deixa o governo (abril, 1890), deposto, poucos meses depois de haver assumido, prometendo em carta a Rui “estar definitivamente retirado da política”.

Intenção desmentida dentro de pouco tempo. Depois de brevíssimo interregno, retorna à política para eleger-se sucessivamente deputado, senador estadual e senador federal, alçando-se ao plano da política nacional na qual seria figura de destaque como vice-presidente da república, tendo exercido em caráter interino a presidência, no impedimento de Prudente de Morais por motivo de doença. Na condição de vice-presidente participa da comissão instituída pelo prefeito Furquim Werneck para realizar estudos sobre o saneamento do Rio de Janeiro, tendo escrito a introdução do relatório apresentado pela comissão. A passagem lembra Virchow e o saneamento de Berlim. Desavindo-se com Prudente, experimentou o ostracismo e a perseguição política que injustamente o incriminou como um dos responsáveis pelo atentado sofrido por este quando do desembarque no Rio de Janeiro das tropas retornadas de Canudos. O atentado deflagrou o estado de sítio e medidas de exceção que ampliariam os poderes presidenciais e sufocariam a oposição na qual militava Manuel Vitorino. Fortalecia-se institucionalmente o presidencialismo brasileiro. O derradeiro golpe viria com o veto aposto por Campos Sales ao projeto aprovado pelo parlamento, prorrogando sua licença da cátedra na Faculdade de Medicina. A medida obrigava-o a retornar à Bahia. A política, por idealismo, o roubara à medicina; a política, por mesquinharia, o devolve à medicina. No curso dos preparativos para a viagem de volta, adoece e morre rápido. O corpo é transportado para Salvador no encouraçado Deodoro. A honra que lhe negam em vida oferecem-na morto.

O acesso dos médicos à política independe de autorização ou licença de qualquer órgão ou autoridade, salvo no que diga respeito à legislação eleitoral de caráter geral. A decisão é de natureza individual, implicando cada vez mais em uma opção entre as duas atividades crescentemente inconciliáveis. As exigências inerentes a cada uma delas impossibilita exercê-las simultaneamente, sob pena de mau desempenho ou frustração de expectativas, daí não ser rara a hesitação dos médicos atraídos pela política em abandonar o exercício da profissão. O contínuo progresso da medicina e a solicitação dos pacientes não admitem o médico em tempo parcial e desatualizado, assim como o político zeloso não dispõe de horas livres para se dedicar a outros misteres. Juscelino Kubitschek vacilou entre a carreira médica, que já se anunciava auspiciosa, e o convite para abraçar a política com seu fascínio e incertezas. Seu movimento foi no sentido de atender as duas vocações e aos poucos sentir afrouxar os laços com a medicina até afastar-se dela definitivamente com um gesto premeditado e algo teatral em 1944. São dele as palavras que transcrevo, reproduzidas do livro de Ronaldo Costa Couto – Brasília Kubitschek de Oliveira, páginas 58 e 59 :

“E à medida que me deixava absorver pelos assuntos submetidos à minha atenção, vi diluírem-se dentro de mim, os antigos valores que me absorveram: a medicina, o trabalho no hospital militar, os doentes da Santa Casa, a atividade no consultório. Era um universo – minúsculo, sem dúvida, mas construído com as próprias mãos – que começava a se esboroar. Mesmo a tese que, secretamente, e com tanto carinho estava elaborando para concorrer a uma cátedra na faculdade, acabou deixada numa gaveta e daí não sairia mais.”

Seu último paciente foi o escritor Eduardo Frieiro, que operou de apendicite aguda:
“Hoje, vou dar duas altas, Dona Noêmia. Uma ao Frieiro, que já está bom e pode retornar a suas atividades. E outra a mim mesmo, pois encerro, com o caso do seu marido, minha atividade profissional. Dona Noêmia olhou-me estupefata. Tirei o avental branco e o guardei no armário da sala dos médicos. Vesti o paletó. Apanhei alguns livros que estavam sobre a escrivaninha. Estendi a mão a Dona Noêmia e saí. A opção, sob a qual eu havia hesitado durante tanto tempo, acabara de ser feita. Já não era médico. Mas político.”

Vivi o mesmo dilema, conciliei o quanto pude, até render-me exclusivo à política. Se não me arrependi da decisão, guardo a nostalgia da carreira.

Os insucessos eleitorais, precoces ou tardios, produzem idas e vindas entre o consultório e a tribuna num movimento pendular que condena o médico ao anacronismo profissional, quando possível instalado na burocracia estatal ou relegado ao esquecimento que fomenta a desilusão política.

Há os que vêem nos médicos celeiro de políticos potenciais, estimulando pretensões adormecidas, tentadas pelo mundo fascinante da política. Recrutados pelas lideranças locais, os médicos da zona rural e das cidades menores lançam-se com freqüência à aventura política na disputa das prefeituras municipais. Arthur Tibau, no livro Notas de um médico, publicado em 1932, no texto intitulado o “Médico e o Estadista”, estranha que nenhum esculápio tenha até então ascendido ao posto de Presidente da Nação, não obstante o preparo de muitos deles, alguns já provados na administração pública e no governo de estados. Argumenta com um paralelo entre a organização social e o corpo humano, as células e os indivíduos, analogia que recorda expressões de Virchow no seu texto clássico sobre a patologia celular. Para o autor, conhecer o funcionamento do organismo humano capacita o médico a ser um dirigente político.

O médico e senador da Nigéria, Olorunnimbe Mamora, em conferência pronunciada em fevereiro de 2005, em uma universidade daquele país, exorta os médicos a se tornarem políticos, por acreditar que possam contribuir para melhorar a qualidade da vida pública nigeriana. Afirma serem muitos os pontos comuns entre a medicina e a política, que considera irmãs siamesas, pelo que ambas exigem de seus integrantes em termos éticos e morais, prometidos em juramentos solenes, fundamentos do elo de confiança que deve existir entre o médico e o paciente, o político e a sociedade. Juramentos que, como declarações de princípios morais, não são mais fortes que a vontade dos que os respeitam e aceitam, como bem anotou Thomas Szasz em A Fabricação da Loucura. A violação deles é reflexo do conflito interno da sociedade. A erosão do individualismo médico e o compromisso de trabalhar pelo bem geral como funcionário de saúde do estado aproximam a medicina da política. A mudança de posição do médico no contexto social e profissional já era apontada pelo “Journal of the American Medical Association” a propósito da lei de seguro de Lloyd George, o primeiro programa de seguro compulsório para operários britânicos, ao afirmar que daquele diploma em diante o médico não seria mais “um profissional liberal particular ou um negociante” (A Fabricação da Loucura, Thomas Szasz). Confessa-se casado com a medicina e amante da política, inspirado no exemplo histórico de Virchow, de quem repete um pensamento: “Se a doença é a expressão de uma vida individual em circunstâncias desfavoráveis, as epidemias são indicadoras de distúrbios de massa.” Julga que a maior participação dos médicos na política da Nigéria seja o remédio para o tsunami político que banha o país na corrupção e no desleixo dos governos. Invoca Sêneca para atrair os médicos à política:
“A grande punição para os sábios que se recusam a governar é sofrer o governo dos idiotas”. A afinidade entre a política e a medicina estaria, segundo ele, na promessa dos médicos de, mesmo sob ameaça, respeitarem as leis da humanidade e no compromisso dos políticos de não usarem o poder em detrimento das pessoas e da sociedade como um todo. Exorta os médicos a se comportarem como “profissionais na política” e não “políticos profissionais”.
Jean Bernard, aqui já citado, considera que a medicina é ao mesmo tentada e tentadora.

Identifica seis tentações que a assediam:

1 – Tentação administrativa – consiste na valorização excessiva da burocracia, da gestão e das normas. O predomínio dos meios sobre os fins. “A medicina moderna necessita da administração. A administração crê não necessitar da medicina” (Jean Bernard)
2 – Tentação psicológica – o reconhecimento dos transtornos afetivos, emocionais e sua importância para a saúde das pessoas não pode desprezar as causas orgânicas das doenças.
3 – Tentação sociológica – diz respeito à influência do meio sobre o surgimento de doenças e seu desenvolvimento. Considera a importância de fatores étnicos e dos costumes sobre a saúde das populações.
4 – Tentação humanista – cultivar o humanismo indispensável ao médico sem ceder ao beletrismo, a retórica sem conteúdo, a glória vã e vaidosa, que imobiliza a investigação científica e paralisa o progresso da medicina.
5 – Tentação científica – o risco de uma medicina sem médicos, desumanizada, com os pacientes assistidos só por aparelhos. A tecnologia substituindo o homem.
6 – Tentação política – a tentação política atua sobre a medicina, os médicos e os doentes. A percepção moderna da saúde como um direito de todos aguça o interesse dos políticos pela medicina, a qual ao mesmo tempo abusam e desprezam. A sabedoria está em buscar o equilíbrio que impeça o abuso e evite o desprezo. A interação entre as duas é proveitosa para a sociedade, desde que a medicina não se deixe corromper ou subordinar à política. Decisões políticas acarretam mais recursos para saúde, melhoram a assistência médica, ajudam a combater e controlar doenças. Campanhas saneadoras como a de Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro não se fazem sem verbas e sustentação política. Foi uma atitude política que acionou a propaganda maciça e a mobilização popular para uma campanha de combate aos ratos, moscas e mosquitos, sem o uso de produtos químicos, de que a China não dispunha. Em nove anos, entre 1949 e 1958, a higiene chinesa corrigiu um atraso de quatro séculos (Jean Bernard, em Grandeur et tentations de la médecine). Todavia a degeneração dessas relações deságua em atrocidades como as que tiveram lugar nos campos de concentração nazistas, nódoas da medicina alemã.

Para Jean Bernard são três as faces da tentação política. “A etapa inicial é um admirável sucesso da aliança entre a medicina e a política, a primeira reconhece os males que ameaçam o homem, a segunda oferece os meios de limitá-los; a segunda etapa que não nos concerne, é a exploração política desse sucesso; a terceira etapa, que nos concerne, é feita das conseqüências para a medicina de sua estreita aliança com a política”.

São diversas as vias pelas quais os médicos entram na política: pela tradição familiar; pelas relações profissionais com políticos ou seus familiares; pela cooptação por lideranças locais das pequenas cidades; pelo exercício altruístico da clínica junto à população carente que lhe desperta no peito a chama da política.

A forma de ingresso não importa, se motivado pelo ideal de servir, ampliando sua área de atuação, norteado pelos princípios que orientam a prática médica. Giovanni Berlinguer vê no estudante de medicina dos primeiros anos um idealista e, nos últimos, um cínico. Seria tão bom se conservássemos ao longo da vida a pureza das primícias médicas, as mesmas que devem ter impelido o médico Ernesto (Che) Guevara ao protagonismo revolucionário. No outro extremo está Adib Jatene, que nunca concorreu a eleições nem fez revoluções, mas prestou assinalados serviços, à política e à medicina, como secretário de saúde de São Paulo e ministro da saúde.

O número de médicos, no executivo e no parlamento, tem crescido no Brasil, e no Ceará não tem sido diferente. O que não tenho como avaliar é o impacto do fato sobre o nível da política brasileira e da saúde do povo. A maior participação dos médicos na política não é em si nenhum mal. Pelo contrário, poderá ser benéfica à sociedade. Há exemplos que engrandeceram as duas. Tudo depende da motivação de cada um e da forma como ascenderam à vida pública. Maus médicos, sem ética e sem pudor profissional, serão seguramente maus políticos.

O reconhecimento da importância dos fatores sociais na gênese das doenças instituiu nos anos vinte do século XIX os fundamentos da medicina social que arrebatou muitos médicos do consultório para o anfiteatro da política. Além das causas primárias das moléstias, microbianas, por exemplo, era preciso combater sua etiologia social, representada pela pobreza e a ignorância, e isso escapava ao domínio da medicina. Para enfrentar essas condições adversas à saúde humana, o médico havia que migrar para a política onde poderia encontrar a solução para problemas de tal magnitude.

O que fez de Virchow político foi o encontro com o atraso e a miséria dos habitantes da Silésia, a braços com uma epidemia de febre tifóide que lhe tocou investigar como um jovem médico. Se não tomou o caminho das armas como Guevara, despertado pela realidade com que se deparou ao longo de sua mítica viagem pela América do Sul, previu a revolução de 1848, quando afirmava que a aparente tranqüilidade seria negada pela eclosão dos conflitos sociais. Entre a revolução e a reforma escolheu a segunda; preferiu a cátedra, a imprensa e a tribuna do parlamento à guerrilha, para travar a luta contra a iniqüidade e a injustiça social.

Manuel Vitorino deixou claro em seu manifesto político de 1898 o que o decidiu a enveredar pelo caminho tortuoso e inseguro da militância política. São dele as palavras que se seguem:
“Uma circunstância, porém, faz-me político militante: a minha viagem à Europa deu-me a conhecer até que ponto nos culminavam, e como influía nesse conceito, que nos abatia, o fato de sermos um país que ainda tinha escravos. De volta, vinham meus sentimentos abolicionistas exigentes, intratáveis, e nesse terreno não cedia uma linha”.

Antonio José de Almeida, médico e Presidente de Portugal, em visita ao Brasil, ao agradecer a medalha com a qual o homenageava a Academia Nacional de Medicina, manifestou com clareza, no estilo elegante da época (1922), a forte influência da medicina na sua carreira política. Reproduzo seu pensamento no trecho que interessa a nossa exposição:
“Mas, como disse, nessa minha vida de prático, de médico de aldeia, de que tanto tenho orgulho e cuja rememoração faço com tanto prazer, ela fica como um símbolo supremo – é o único que tenho neste gênero pelo menos é o único que tenho e jamais terei outro.

E ela ficará então como o símbolo do que o homem deve ser sobre a terra; e junto, por ventura, a outros símbolos de que disponho, ela será, sob certo aspecto, o símbolo supremo, porque aquilo que lembra minha vida de médico lembra o que tenho sido, e que não é muito, a não ser a investidura oficial que ostento, porque esta é enorme, visto que representa a pátria. Tudo aquilo que sou o devo efetivamente à minha profissão de médico.

Exercendo-a, estudando a ciência, que me deu as faculdades para exercê-la, fiquei sabendo que na vida só há uma verdade – aquela que assenta na observação e na experiência.
Foi como médico e cultivando a medicina, que pude ter para mim esta filosofia suprema, de que o homem deve ser sempre bom, caritativo e agasalhador; que o homem deve olhar sempre para seu semelhante, ou seja branco ou preto, ou grande ou pequeno, ou homem ou mulher, ou celerado ou santo, abrigando-os, a todos, no manto da mesma ternura.

Se eu não tivesse sido médico, pouco mais, em qualquer caso, poderia ser do que tenho sido, poderia ser muito menos, mas, com certeza, seria uma coisa diferente, porque foi o exercício da minha profissão, foi o contacto com os meus doentes, foi o sentimento fraterno que me ligou sempre a eles, como de resto acontece a todos os médicos, que fez com que eu, na política da minha terra, tenha sido animado deste espírito de conciliação que me tem levado a querer concentrar todos os portugueses no laço da mesma disciplina, e ao mesmo tempo, conservá-los sob o mesmo amor carinhoso e fraterno.”

Saudou-o na ocasião Miguel Couto, para muitos, á época, o maior médico do Brasil, que teve rápida passagem pela política na condição de constituinte em 1934. Reportando-se ao homenageado, disse que nele foi o médico que traiu o político. “Não tivesse dilatados anos, em terras de África e lusitanas terras, convivido com o sofrimento, vendo-o todos os dias abater os presunçosos no seu orgulho e os nivelar aos pequeninos na sua humildade, e acompanhando tantas vezes, com aquela angustia que só nós conhecemos, o desengano dos recursos mais heróicos contra a inexorabilidade de tantos males, e evidentemente a certeza na fragilidade das cousas humanas não teria naquele ambiente de fausto e poderio lhe ocorrido ao pensamento.

O médico, continua, leva para todas as oportunidades da existência as características da sua profissão: a fé, a bondade, a ternura, o compadecimento, a simplicidade, a tolerância.”
A notícia da morte de Miguel Couto, tal como está em “Medicina e Cultura” – volume I, descreve-o como uma inteligência superior, cujo talento estendeu-se além da medicina para iluminar a política com o entusiasmo cívico que o caracterizou, tendo porfiado na constituinte em defesa da educação e da raça.

O Senador Mamora, anteriormente mencionado, prescreve aos médicos carregarem consigo para a política os honrosos princípios que lastreiam o exercício da medicina. Infelizmente não tem sido assim. Muitos tem se orientado para a política movidos pela ambição, a sede de poder e o desejo de se tornarem ricos. A maneira como buscam o voto, em colisão com a lei e o código de ética médica, não engrandece a profissão. São procedimentos assistencialistas, típicos de um coronelismo contemporâneo que não conhece limites na corrida eleitoral. Na ausência do estado, a medicina no passado, sobretudo nas aldeias, era um misto de clínica privada pobre e filantropia. Hoje a ação do estado alargou substancialmente a assistência à população embora os serviços estejam congestionados por uma demanda infindável. Isso tornou a benemerência na aparência, pois estes, não raro, são remunerados pelo Estado.

A lei eleitoral veda a captação de sufrágios em troca de bens ou favores pessoais. Nosso código de ética, em seu artigo 65, proíbe-nos de “obter da relação com o paciente vantagens física emocional, financeira ou política”. A laqueadura indiscriminada de trompas, os atendimentos favorecidos na cronologia e nos meios, a concessão de atestados médicos graciosos, em troca de votos, configuram infrações cometidas de modo abusivo ignoradas pelo costume, o uso tolerado e a leniência fiscalizatória. Está em estudo no âmbito do Conselho Federal de Medicina nova versão do código de ética que adapte a disciplina profissional às condições atuais nas quais o médico trabalha. Espero que seja mais incisivo ao tratar dos impedimentos éticos na barganha das eleições.

Necessário se faz que o médico sopese a decisão de tornar-se político, face o custo moral e a exigência da opção, que não traga a amargura do arrependimento tardio. Os percalços da vida pública afetam aos que a professam, em intensidade variável, mas a nenhum poupa. O travo desses acontecidos aflora escolhas pretéritas que surgem em desabafos como o de Manuel Vitorino quando atingido por ato injusto do desafeto no poder. É sua esta dorida anamnese: “o novo regime foi desgraçadamente buscar-me entre os meus livros e meus alunos. Relutei em deixá-los. Acreditei ou fizeram-me acreditar que poderia ser útil aos meus compatriotas. Triste ilusão!”

O antídoto contra as decepções políticas só pode ser o ideal que nos levou a exercê-la. A consciência do dever cumprido é que tranqüiliza a alma e faz suportar as adversidades. Por isso, que ninguém, médico ou não, se aventure na política a não ser impulsionado por um forte ideal. Aos médicos seduzidos pela política digo-lhes que atentem para o conselho de Virchow no fecho de seu histórico relatório sobre a epidemia de febre tifóide na Silésia: “A medicina imperceptivelmente nos levou para a área social e nos colocou em uma posição de confrontar os grandes problemas de nosso tempo.” Então valerá a pena pelejar na política por uma nobre causa, mesmo ao custo de padecer dos dissabores que ela acarreta.

* Palestra proferida por Lúcio Alcântara na abertura do XIII Congresso Brasileiro de História da Medicina, dia 12/11/2008, em Fortaleza.

Templo


O evangelho de domingo passado nos falou da expulsão dos vendilhões do templo por Jesus.

No mesmo dia, monges ortodoxos, armênios e gregos se engalfinhavam dentro da igreja, em Jerusalém, que abriga o santo sepulcro.

Disputavam o direito de participar de uma procissão comemorativa da descoberta, no século IV, da cruz usada na crucificação de Jesus.

Dois mil anos anos não foram suficientes para que a lição fosse aprendida.

Saiba mais em O Estado de S. Paulo, edição de 10/11/08.

Enade


O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), realizado domingo último, avaliou quase 25.000 cursos superiores em todo o Brasil.

A metodologia pode não ser perfeita. Daí, desde sua introdução o processo tem sofrido alterações para melhorá-la, mas a implantação da avaliação sistemática no ensino superior é fator decisivo para aprimorar sua qualidade.

Resistências vencidas a duras penas efetivaram este importante fator de modernização pedagógica das faculdades brasileiras.

O boicote que organizações estudantis tentam fazer, recusando-se a realizar as provas, é uma forma infantil de luta que só os prejudica e os cursos que frequentam.

Com o aumento da competição no mercado, de forma crescente, os profissionais serão cobrados pelo seu desempenho escolar e de sua faculdade de origem.

O ranking das escolas será cada vez mais consultado por empregadores e pais de alunos.

Saiba mais em O Estado de S. Paulo, edição de 09/11/08.

A frase do dia

O maior inimigo do tédio não é a fuga; é a coragem.

Daniel Piza

PS - Piza acaba de lançar o livro Aforismos sem juízo, uma coletânea de suas frases publicadas em sua coluna dominical no jornal O Estado de S. Paulo.

Meia

Tramita no Senado Federal (SF), Projeto de Lei (PL) de autoria do Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), para extinguir a meia entrada nos espetáculos culturais de fim de semana.

É um absurdo se considerarmos o poder aquisitivo da população como um todo, em especial dos estudantes, em uma terra onde o acesso aos bens culturais já não é fácil.

Os estudantes devem ficar de olho nos senadores.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Arquitetura em movimento II

O segundo assunto, levantado pelo jornalista Fábio Campos, trata da pretensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) de construir na área do sítio Alagadiço Novo, onde está a Casa de José de Alencar, o Instituto Central de Artes (ICA), para onde seriam removidos cursos que funcionam no Campus do Benfica.

Traz à baila a discussão sobre a conveniência e legalidade do projeto, face a negativa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em autorizar a construção na área pretendida, tendo em vista tratar-se do entorno de imóvel tombado.

Questiona, ao mesmo tempo, o esvaziamento das instalações no bairro de Benfica e a migração acelerada de empreeendimentos privados e públicos, sem planejamento urbano, para a região servida pela Avenida Washington Soares, geradores de grande e crescente impacto ambiental.

Infelizmente, silencia sobre o projeto do novo Centro de Feiras anunciado pelo Governo do Estado do Ceará, a ser construído vizinho ao atual Centro de Convenções, sem a realização de um único debate público. Diferentemente do estudo anterior, submetido a ampla discussão com os interessados, e inexplicavelmente desprezado pelo atual Governo.

A omissão compromete o mérito do argumento.

Saiba mais em O Povo, edição de 08/11/08.

Arquitetura em movimento

O jornalista Fábio Campos, em sua coluna do jornal O Povo, aborda dois assuntos relacionados a novos projetos arquitetônicos de interesse público, cuja importância merece um comentário.

O primeiro diz respeito ao Palácio da Abolição. A intenção do Governo do Ceará em voltar a ocupá-lo como sede do Poder Executivo requer a realização de obras e a elaboração prévia de um projeto.

Ocorre que, em se tratando de bem tombado pelo Estado, o projeto está sujeito a aprovação de órgão especializado da Secretaria de Cultura, que teria oferecido parecer contrário à reforma pretendida.

Ignorando a manifestação técnica exigida por lei, o Governo realizou a licitação, passo decisivo para a concretização das obras. A lei está sendo, mais uma vez, atropelada pelo autoritarismo do atual Governo, que age à sua revelia, desconhecendo a obrigação de respeitá-la exemplarmente.

Tenta, como em outras oportunidades, avançar com projetos importantes sem discussão, sequer no âmbito interno. É a estratégia do fato consumado.

Que ajam as instituições do Ceará capazes de brecar o abuso!

Saiba mais em O Povo, edição de 08/11/08.

Safra

O Governo do Estado do Ceará trombeteou durante meses pela imprensa que a safra agrícola deste ano seria a maior da história.

Desconhecia que a aferição inicial, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sofre ajustes posteriores a medida que se configuram frustrações.

A plantação maciça de notícias nos jornais não colheu mais grãos, mas produziu importante frustração.

A safra recorde no Estado continua a ser a de 2006. Naquele ano, a produção alcançou 1.145.508 toneladas, enquanto a atual atingiu 1.135.475.

Faço aqui o registro.

Saiba mais no jornal Diário do Nordeste, edição de 07/11/08.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Na Biblioteca

Na Biblioteca

por Ina D. Coolbrith (1891)
Bibliotecária da Biblioteca Pública de Oakland


Quem diz que estas paredes são vazias,
Não consegue enxergar uma multidão de pessoas.
Essas pessoas são como nuvens de abelhas
Entre canteiros de trevos perfumados.

Elas não escutam o silenciar dos passos,
E mantêm vivas vozes pelo tempo.
Sua fala, em muitas línguas e códigos,
anula cada passagem obscura

Aqui, estão os amigos que nunca traem;
Companheirismo que nunca se cansa,
Aqui, vozes são resgatadas do silêncio
E cinzas mortas reascendem seus fogos.

A Morte pode tocar somente a carne,
O pensamento imortal, época a época,
sobrevive, e aqui, em vários tons,
Fala através de muitas páginas.

Aqui, a pesquisa da História aguarda a ação
De homens e nações para realizar-se;
Aqui, a Ciência de olhos límpidos progride e decifra
Os segredos do universo.

Aqui, terras e mares, de polo a polo,
São esparramados diante dos olhos do viajante;
Aqui, a Fé desdobra seu pergaminho místico.
Para satisfazer o espírito.

Aqui, Homero canta a heróica Tróia;
Aqui, Dante dedilha a harpa da dor;
Aqui, Shakespeare sussurra a tristeza, a alegria,
De todo o esforço da existência humana.

Sozinha e silenciosa? Por que, se a Biblioteca cresce
em forma e som? Os hóspedes do pensamento
São habitantes daqui; e pensamento é vida.
Sem isso, a terra e o homem nada seriam.

Na guerra e na conquista dos louros do ofício
Um grandioso clímax está garantido:
Os líderes do mundo são aqueles
Que fazem estes livros e sons.

Tradução: Simone de Souza Soares, aluna da Escola de Biblioteconomia da UNI-RIO
Recuperação e versão: Profª Ana Virgínia Pinheiro (UNI-RIO/EB)
Colaboração: Profª Ludmila Popow Mayrink da Costa (UNI-RIO/EB)
Fonte: Library Journal, v.16, n.12. p. 137, Dec. 1891.

domingo, 9 de novembro de 2008

Queda

Foi mau o desempenho industrial do Ceará no mês de setembro. O resultado foi o terceiro pior do Brasil. Em relação ao mês anterior, atrás de nós com -2,6%, estão apenas Espírito Santo, -3,49%, e Pará,-2,7%.

A média nacional cresceu 1,7% e as taxas foram positivas em 7 das 14 regiões pesquisadas pelo IBGE. Os estados que tiveram melhor desempenho foram Amazonas com 6,1%, Rio de Janeiro, 4,1% e Rio Grande do Sul, 3,6%.

Saiba mais em O Estado, edição de 07/11/08.

Abandono


A majestosa estátua do Menino Jesus de Praga, que começou a ser erguida em Chorozinho, centro de grande peregrinação religiosa, está paralisada. O repasse de recursos ao município, acertado com o governo do estado não foi cumprido.

Aliás, o fato se repete em vários municípios, onde pequenas obras de interesse local foram interrompidas por falta de cumprimento do convênio por parte do governo estadual. Isso atende pelo nome de desperdício e gestão perdulária. A responsabilidade gerencial é atropelada pela politicagem.

No caso de Chorozinho, não sei se é implicância com o santo ou com os que celebraram o convênio.

Saiba mais no Diário do Nordeste, edição de 08/10/08.

Flashes

* O Ceará já acumula 42.930 casos de dengue. O número é 71,545 maior que o registrado em 2007. 27 pessoas morreram este ano, sendo 14 da forma hemorrágica e 13 por complicações.

* Fortaleza registra inflação acima da média no país. O índice nacional de outubro foi de 0,45% e na grande Fortaleza 0,54. No ano também estamos acima da média nacional que é de 5,23 enquanto a nossa atinge 5,61. A inflação voltou a subir após desacelerar por quatro meses
seguidos. Por trás da alta estaria a subida do dólar.

* Defensores visitam cadeia após o motim. Dois defensores públicos fazem um trabalho na cadeia de Maracanaú examinando processos de presos que já reuniriam condições para ganhar a
liberdade.

* Juiz decreta ilegalidade da greve dos agentes. Eles querem o cumprimento da lei que lhes garante salário de R$ 1.790,00 e não o de R$ 1.051,00 que recebem. O governo além de ter
demorado mais de uma ano para chamar os concursados ainda não lhes paga o que a lei determina.

* Vistorias para barrar fuga nas delegacias. O Superintendente adjunto da Polícia Civil informa que vai constituir uma equipe de seis policiais civis para visitar as unidades policiais com a finalidade de constatar as condições dos xadrezes para evitar fugas. Atacam o efeito e não a causa. Delegacia não é depósito de presos, embora todas estejam abarrotadas deles. Não vejo protestos, ou reações, dos sindicatos de policiais, antes tão ativos, dos movimentos de defesa de direitos humanos, parlamentares, ministério público, juizes, contra essa situação. Entreguei o governo sem presos em delegacias. O descaso do atual para com o sistema penitenciário tornou a enche-las. Deve ser porque com preso não se faz marketing.

Saiba mais no Diário do Nordeste, edição de 08/10/08