sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

MANTEIGUEIRA SILVA - LISBOA - Foto de Paulo Alexandrino 

JOALHARIA DO CARMOS - LISBOA - Foto de Paulo Alexandrino

HOSPITAL DE BONECAS - LISBOA - Foto de Paulo Alexandrino

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

RCP - Real Colégio de Porugal
Primeira Casa das Bandeiras / Lisboa - Foto de Paulo Alexandrino
Tabacaria Martins / Lisboa - Foto de Paulo Alexandrino

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Foto: ADELINO CHAPA - Alfama, 2007.
Foto: ADELINO CHAPA - Feira da Ladra, 2007

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

REYNOLDS (1723 - 1792)
Il piccolo Samuele
Le petit Samuel
The young Samuel
Der junge Samuel
El pequeño Samuel
Montpellier - Musée
HENNER (1829 - 1905)
Fabiola
Paris - Musée du Louvre

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

A corrosão do consenso básico

Quando tudo é contestado, 
o resultado é uma democracia
 instável, imprevisível.

Vivemos uma crise multifacetada: econômica, política, social jurídica, cultural, ideológica e histórica. Mais grave que os aspectos econômicos, sociológicos ou jurídicos da crise, contudo é seu agravamento político. Estamos num rumo perigoso. No Brasil tudo está em questão. A isso nos levou a confusão cultural, normativa e comportamental que resultou da dilaceração do tecido social.

Qualquer sociedade democrática precisa institucionalizar valores básicos, subscritos por sua população, para assegurar sua estabilidade e um ordenado e legal processo político de mudança. Quando não há consenso em torno desses valores básicos ou quando se instala um conflito radical entre eles, a Nação tende a se dividir em dois blocos radicais e excludentes “qui hurlent de se trouver ensemble”.

É a conhecida situação da curva em U, em que o poder foge do centro e se aloja nos extremos. Caso da guerra civil, o pior dos conflitos, cujo exemplo emblemático é a Guerra Civil Espanhola, que em julho de 1936, mais que dois blocos, deu origem a “duas Espanhas”. Nessa situação, parentes e amigos evitam se encontrar, tal a hostilidade que os valores políticos antagônicos provocam entre eles. A guerra civil é a prova definitiva de que o ódio na política é muito mais forte que o ódio no amor.

Não nos encontramos nessa situação. Mas já estivemos muito mais longe dela... Entre a Espanha da guerra civil e o Brasil da crise, a Venezuela bolivariana de Maduro já se encontra muito próxima da guerra civil. Estamos ainda longe da situação espanhola, mas não tão longe da venezuelana. Atente-se para alguns valores essenciais à vida social organizada que se encontram em conflito, contestação e deslegitimação, no Brasil.

• Democracia direta para corroer a democracia representativa – A única condenação legítima é pelo voto: implica desqualificação da legislação penal; pressão por convocação de constituintes, plebiscitos, referendos e reformas políticas para substituir competências já definidas do Legislativo e do STF; manifestações com militantes “pagos” para pressionar, e forçar, decisões legislativas ou jurídicas em normal tramitação no Congresso e no STF.
• Quebra do consenso, tudo está em questão – Redefinição contra legem da família, do regime jurídico do funcionalismo (greve), da eleição direta de dirigentes de órgãos públicos.
Família: qual sua conformação em termos de gêneros? Malicioso enquadramento da discussão família tradicional x família moderna. Sexo: escolhe-se ou é predeterminado ao nascimento? Uso de sanitários é de livre escolha?

Democracia: qual a verdadeira democracia, a representativa ou a democracia direta? Qual o valor estruturante da democracia, igualdade e liberdade política ou igualdade econômica e social? Liberdade econômica macro: quem deve ocupar-se da atividade econômica: a livre-iniciativa ou os órgãos do Estado?
Propriedade privada é legítima e legalmente protegida ou tem legitimidade discutível e precária? A “invasão” é um delito ou é um direito?

O lucro é uma conquista legítima ou um roubo, sujeito à expropriação? O mercado é necessário ou prejudicial?

A escola deve transmitir conhecimentos ou ideologia? Educação ou doutrinação? É legítimo e legal a censura por deliberada exclusão? É óbvio que, na prática política, ideologia e doutrinação serão eufemisticamente definidas como “espírito crítico”.

O criminoso é responsável por seus atos ou vítima? Liberdade de imprensa é uma garantia de liberdade ou é o abuso dos proprietários? Qual o critério legítimo para a promoção salarial ou na carreira: desempenho (mérito) ou confiança política?
Símbolos religiosos não podem ser expostos em público ou é direito de qualquer religião expor seus símbolos? A vida humana é sagrada ou instrumental?

O que é a legalidade? O Estado Democrático de Direito, suas instituições e normatividade, ou esses são apenas atributos formais, inferiores aos critérios substantivos? O que é golpe de Estado, um conceito jurídico-político ou uma expressão usada na disputa política de significado arbitrário? Como entender esta frase: seguir a virtude prejudica o País (prejuízos e custos da Lava Jato)?

• Destruição da dignidade dos Poderes e das funções – Plenário do Congresso como palco para danças folclóricas, reunião indígena, concentração de minorias organizadas. Ocupação da Mesa do Senado por senadores de um partido. Legisladores usando cartazes, igualando-se a manifestantes. Cenas de pugilato, cuspidas. Obstrução invasiva apoiada por legisladores.

Como se constata, tudo é contestado. E quando tudo é contestado, corrói-se o consenso básico. Não se trata de um consenso absoluto e irreal. Trata-se de um consenso em valores básicos, centrais e de elevada hierarquia, mediante o qual a política e a administração são previsíveis; contêm regras que os cidadãos conhecem, praticam e as instituições protegem; e se consolida numa organização política democrática, unida em torno desses valores e dividida em torno de políticas públicas.

Quando tal não sucede, quando tudo é contestado, quando tudo está sempre aberto a mudanças, o que resulta é uma democracia instável, imprevisível, de precária legitimidade e duração. Tais democracias tendem a desembocar no totalitarismo, na ditadura populista ou na cronificação da instabilidade, o que parece ser o caso do Brasil.

A listagem apresentada permite identificar, no mínimo, 40 questões intensa e radicalmente divisivas. Considere-se, entretanto, que nenhuma é de importância periférica ou secundária. São todas elas indispensáveis para a configuração política, econômica, social, jurídica e cultural do País e para a qualidade de sua democracial.

A indagação que se impõe é de hierarquia correspondente à gravidade do nosso desafio como nação democrática: como uma nação com tal grau de conflito em seus valores básicos poderá construir e manter uma democracia moderna, autêntica e estável?

Por Francisco Ferraz - 
Professor de Ciência Política e ex-reitor da UFRGS, é criador e diretor do portal politicaparapoliticos.com.br.

Fonte: O Estado de S. Paulo, Espaço Aberto - Domingo (08/08/2017)

O fim do amadurecimento


Existem alguns efeitos nefastos que são claramente derivados da sociedade avançada de mercado em que vivemos. Aliás, minha principal razão de crítica à esquerda é sua incapacidade atávica de perceber a realidade. Ao contrário do que parece, a esquerda investe numa visão infantil da realidade, negando o fato de que ela mesma, a esquerda, é um dos fetiches mais chiques do capitalismo avançado.

Se a esquerda é utópica em sua crítica infantil, os liberais tampouco nos ajudam com sua utopia de que o mercado resolve tudo. Falta aos liberais reverência ao fracasso.

Falta à esquerda a humildade de se assumir como um produto do capitalismo como uma Louis Vuitton. O sucesso do melhor método de produzir condições razoáveis de vida (o capitalismo) é nosso próprio cadafalso: gente bem de vida fica, na maioria das vezes, boba.

Mas vamos ao que interessa. O fim do amadurecimento. Mas, antes, um detalhe de que não tratarei hoje: o fim do afeto. Este está em extinção devido ao seu caráter necessariamente dolorido. Não existem paixões alegres sem paixões tristes.

O fim do afeto ocorrerá em breve e ele está intimamente associado ao fim do amadurecimento porque este implica naquele. Não há amadurecimento sem sofrimento e esse é o foco de todo o esforço moderno: eliminar o sofrimento.

Calma. Não estou aqui a fazer um elogio à agonia. Nem ao sofrimento. Não precisamos procurá-los, eles nos encontram de forma inevitável. Toda pessoa normal, como diziam utilitaristas como Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), foge da dor e busca o bem-estar. Estou a dizer que o utilitarismo transformado em comportamento sistemático produziu o momento mais infantil da espécie: nossa era.

Pode-se notar claramente o fim do amadurecimento tanto no comportamento dos mais jovens como no dos mais velhos. O amadurecimento não é algo que se busca ou se compra. Ele está mais perto do fracasso do que do sucesso. É aquele tipo de estado de espírito que se revela mais no silêncio do que no ruído da autoafirmação. Pede paciência, como o conceito pede, diria Hegel (1770-1831).

E levanta voo no final do dia, como a coruja da filosofia, segundo o mesmo Hegel. Por isso sempre associamos o amadurecimento aos mais velhos. Quando se vê avós querendo imitar netas, pode apostar que o contrário do amadurecimento, o retardo mental, se instalou como modo de vida.

Nos jovens, o estrago é cada vez pior. Chegam a universidade atolados em "políticas de vulnerabilidade". Você não sabe o que é isso? Explico.
Em 2004, o sociólogo inglês Frank Furedi, no seu "Therapy Culture", ainda sem tradução no Brasil, apontava, a partir de uma pesquisa empírica na mídia impressa britânica, o crescimento de termos psicológicos que descrevem vulnerabilidade: angústia, necessidade de aconselhamento, ansiedade, distúrbios de atenção, e outros.

Nas escolas e universidades, o impacto é enorme. Pais e profissionais, de forma disfarçada, pressionam as instituições de ensino para "aprovarem" seus filhos em nome de seus diagnósticos. A vulnerabilidade clínica deve ser critério, pensam o ideólogos dessas políticas de vulnerabilidade, para aprovação. Usam termos como "inclusão" para justificar velhas práticas de negação dos resultados ruins de seus filhos e pacientes.

O resultado, entre outras coisas, é que os jovens são cada vez mais frágeis, com quase nenhuma "resiliência" (nome da moda pra se referir à velha força de caráter, fora de moda). Sendo uma avaliação algo além de mera devolutiva de conteúdo da matéria, essa mesma avaliação passa a ser um instante de enorme stress patológico. Algum dia desses, um professor será processado por reprovar um aluno.

E o problema é que a pedagogia, muitas psicólogas e parte do Ministério Público endossam esse desastre para o amadurecimento.

O ganho secundário, como diria Freud (1856-1939), dessa neurose da vulnerabilidade é que esses jovens são "poupados" de qualquer responsabilidade moral. Uma catástrofe em nome da vulnerabilidade. Uma geração inteira de medrosos com iPhones. 


Por Luiz Felipe Pondé

Fonte: Folha de S. Paulo, Ilustrada - Segunda-feira (17.07.2017)

As substâncias medicinais da maconha


O uso da maconha foi proibido a partir da conferência internacional do ópio, realizada em Genebra em 1924. Decidiu-se na época que era mais perigosa do que o ópio.

Em nosso meio, segundo o professor Elisaldo Carlini, da Unifesp, a partir da década de 1930, seu uso foi proibido e os usuários passaram a sofrer perseguição policial.

Antes da proibição, a Cannabis já era usada no tratamento de convulsões em crises de epilepsia.

Em 2003, a OMS autorizou o uso médico da tetra-hidrocanabinol, substância derivada da maconha. No Brasil, a RDC 79/2016 da Anvisa incluiu os canabinoides como produto médico controlado sob receita médica.

Raphael Mechoulan, da Universidade Hebraica de Jerusalém, recentemente fez uma revisão, na revista "Epilepsy & Behavior", dos canabinoides e do uso dos princípios ativos da maconha.

Em pesquisa publicada em 1964 no "Journal of the American Chemical Society", Mechoulan, em colaboração com Yechiel Gaoni, relatou o isolamento pela primeira vez do tetra-hidrocanabinol, no Instituto Weizman de Ciências de Israel. Mais tarde, essa e outras substâncias ativas da maconha passaram a ser usadas no tratamento de crises epilépticas de crianças, onde outros remédios falharam. Essas substâncias estão sendo estudadas para controle da dor e em problemas autoimunes.

Pelo pioneirismo de Mechoulan, está sendo organizada uma conferência internacional em sua homenagem pela Universidade Hebraica de Jerusalém e pela Sociedade Internacional de Pesquisas em Canabinoides. 


Fonte: Folha de S. Paulo, Plantão Médico, por Júlio Abramczyk - Sábado, 5/08/17).


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

PEQUENAS LIVRARIAS VOLTAM A ABRIR PORTAS EM NOVA YORK


Um ditado favorito dos americanos para expressar ironia após triunfar sobre uma adversidade foi cunhado por Mark Twain: “Notícias da minha morte foram muito exageradas”, disse o autor de Huckleberry Finn, um humorista fino. Para os sofridos livreiros independentes, um pouco de triunfalismo será desculpado, neste ano em que o discurso público emanando de Washington reflete alergia a qualquer forma de prosa literária. Não é exagero: as livrarias independentes, além de não estar mortas, voltaram com força. Em 2009, havia 1.401 livrarias independentes nos Estados Unidos. Este ano, elas já somam 2.321. Nova York, onde caros aluguéis comerciais afugentam o varejo como não acontecia desde o crash de 2008, ganhou pelo menos cinco livrarias no último ano, como a aconchegante Books Are Magic, no Brooklyn. A livraria foi aberta em maio pela romancista Emma Straub, autora de Os Veranistas, que começou a escrever ficção enquanto trabalhava como vendedora na Book Court, no mesmo bairro. A Book Court fechou depois de 35 anos, em dezembro, porque o prédio foi vendido para um empreendimento imobiliário. O pesar entre leitores e escritores que lançavam seus livros na Book Court, como Junot Diaz e Don DeLillo, ilustrou como o papel das independentes cresceu com a debandada das cadeias sob o cerco da Amazon e do livro digital. 
O número de debates e eventos com autores em livrarias aumentou este ano, depois da vitória do presidente, que pede aos assessores relatórios de apenas uma página, de preferência com gráficos. E não é só por causa do renovado sucesso da ficção sobre distopias. Em cidades como Washington, Boston, São Francisco, Chicago e Nova York, é comum noites com mais de um autor debatendo temas além da literatura, como política de saúde e educação.
A explosão das cadeias dos anos 1990, como a Barnes & Noble, ainda sobrevivente da devastação digital do começo do milênio, colocou as independentes na defensiva, incapazes de competir com a venda de livros com desconto. Mas as cadeias de livrarias, além do assalto da Amazon, passaram a enfrentar outro fenômeno recente: a morte dos shoppings onde costumavam se instalar. É o que a mídia chama de “apocalipse do varejo”. Enquanto shoppings vão ficando desertos, a vida de pequenas cidades e subúrbios afluentes se volta ao comércio da rua principal e adjacências. É um estímulo à volta da livraria como ponto de encontro e conversa.
Há 20 anos, esta repórter estava filmando uma da melhores livrarias de ficção literária de Nova York, quando uma van despejou uma turma de alunos do segundo grau na Books & Company. O professor guiava a turma como se estivesse no Museu Metropolitan, destacando fotos de grandes romancistas nas paredes. Foi um momento doce e amargo. A sorte dela já estava selada pela alta exorbitante do aluguel do proprietário do prédio, o Museu Whitney. Mas os adolescentes percorreram com entusiasmo a livraria como a âncora de uma cultura literária pela qual estariam por se afeiçoar.
Novas pesquisas revelam que apenas 6% dos leitores de livros nos Estados Unidos consomem apenas livros digitais. A livraria física e os livros impressos continuam a atrair leitores de todas as idades. Para uma cidade de 8.5 milhões de habitantes, as cem livrarias independentes de Nova York não fazem frente à fartura de Paris. Mas a saúde das livrarias independentes mostra que é possível conviver com o e-livros sem abdicar dos prazeres do papel.

Fonte: Lúcia Guimarães. O Estado de S. Paulo (Domingo, 2 de julho de 2017)

POEMA ECOLÓGICO

Poema de Júlio Roberto, 1978, uma deliciosa lição-análise sobre este nosso cada vez mais agredido Ambiente, pela ganância ilimitada do mundo dos cifrões está a conduzir para a destruição.


“Amigo Chefe Seattle 
Li a tua carta escrita em 1854 ao grande Chefe Branco de Washington. 
Sou um homem de 1978 que vive, como tu previste, num mundo em decadência e destruição. Já não ouço o sussurrar do vento nem o diálogo nocturno das rãs nos charcos da selva. Já nem temos selva. 
As flores murcham, as árvores agonizam, os pássaros fogem e os insectos deixam de zumbir. Sei que sou um homem enjaulado numa cidade, enquanto outrora tu vivias nas pradarias, lá onde bisontes e búfalos te alimentavam o corpo e a alma. 
Os rios, para ti sagrados, são hoje para mim apenas uma miragem de infância. Neles, em vez de peixes a fazerem corridas e acrobacias, eu vejo o lixo da nossa civilização, os detritos deste mundo, as opulências mortas de uma humanidade que se afunda vertiginosamente na era do plástico. 
Olho para as estrelas e o luar. Parecem mais distantes do que são, e os meus olhos, desabituados já de os observar, cansam-se facilmente. Não tenho, como tu tinhas, esse poder de olhar de frente o sol, de receber – sem me cegar – a sua luz e o seu calor. 
As águias, vi uma ou outra, como se fossem já animais pré-históricos, aturdidos e se calhar confusos, sem perceberem o que fizemos desta Terra. 
E o mar, esse, sobretudo o que vinha dantes banhar as nossas praias e namorar a areia branca, vem agora sujá-las, com o lixo que lhe deitaram dentro. Tem um ar triste, de um mendigo que, às vezes, se revolta e destrói as grandes construções dos nossos engenheiros. 
Ah! Meu querido amigo selvagem! Como eu, que não vivi no teu tempo, nem nas tuas pradarias, tenho saudades da tua Terra sagrada! 
Sabes, agora temos frutos maiores, calibrados, estudados, enxertados, fertilizados e envenenados. Não sabem a nada, nem à frescura do néctar da flor que os gerou, nem ao perfume de que tu falas. 
A nossa sabedoria é outra. Transformámos tudo, progredimos, inventámos, criámos coisas que tu nem imaginas. Olha, substituímos o vento e o sol por uma coisa que se chama energia nuclear. 
Sabes, é que nós precisamos de mais energia. Criámos tantas coisas, somos seres tão exigentes, que a energia da Natureza não chega para os semideuses que nós somos.
Desviámos rios, irrigámos as terras, morreram muitos peixes, passámos fome; porém, temos coisas que tu nem sequer podias imaginar. 
Sabes o que é um arranha-céus com ar condicionado, elevadores que nos levam para cima e para baixo? Claro, não sabes. Tu não precisavas de morar para cima de ti próprio. Tinhas espaço e moravas para os lados. 
Nós vivemos a correr; tu contemplavas. Contentavas-te com pouco. Não admira, tu eras selvagem. Nós, não, temos necessidade de mais, cada vez mais, cada vez mais! 
É que nós não nos pertencemos. Pertencemos ao todo. Cada um é uma pequena peça que gira e roda sem saber porquê, e sem ter tempo para saber. 
Tu tinhas espaço, tinhas tempo e tinhas-te a ti. 
Como tu disseste, «Vocês morrerão afogados nos vossos próprios resíduos»”

Júlio Roberto (1929-2013) foi meu contemporâneo no Liceu. Na fase em que partilhei com ele e outros adolescentes com interesses intelectuais, ele era um curioso na biologia e na filosofia.
Professor, escritor, poeta, ecologista e editor (ITAU), foi conferencista em Portugal e no Estrangeiro, dissertando sobre a natureza, a qualidade de vida e o homem.
Convidado pelo Conselho da Europa para escrever um livro sobre os Direitos Humanos, aceitou o desafio, dando à estampa “Reconstruir o nosso mundo”, com ilustrações de Teresa Soller (ITAU, 1976), tido por um dos primeiros livros a alertar-nos para a destruição da biodiversidade pelo chamado progresso.
A. Galopim de Carvalho

Fonte: http://dererummundi.blogspot.com.br/2017/08/poema-ecologico.html

terça-feira, 25 de julho de 2017

segunda-feira, 24 de julho de 2017


Aquarela: Côca Torquato, Retalho de um limoeiro, 2007.
(Postais do Almocreve - Limoeiro do Norte/CE)

O grande "slogan" da educação mundial

Temos escolas do Século XIX, para ser simpático, 
porque algumas são do Século XVIII, 
com professores do Século XX, 
para alunos do Século XXI."

Director de uma escola portuguesa, 2017 


A frase acima reproduzida constitui uma variante, diria eu, mais radical, daquele que se tornou e se afirmou como o grande slogan da educação mundial: "temos uma escola do século XIX, com professores do século XX, para alunos do século XXI".

As palavras que lhe dão formam centram-se na premência de construção, na escola, do (tal) "homem novo": o "homem" liberto dessa inutilidade que é o passado e projectado para um presente/futuro repleto de possibilidades.

Esta é, porém, a face mais visível do slogan, pois, à medida que se vai explorando, revela toda uma "filosofia" não sei se complexa se linear, mas marcadamente imbricada, redundante, quando não contraditória, e sobretudo, desconcertante sob o ponto de vista conceptual.

Discuti-lo daria um tratado e um blogue não permite tal. Permite, no entanto, deixar, um apontamento do professor espanhol Ricardo Moreno Castilho, publicado no seu recente livroLa conjura de los ignorantes, páginas 118 e seguintes.

"Por muito actuais que as teorias da relatividade e quântica sejam (e é certo que estão constantemente a ser feitas novas descobertas) continua a ser necessário conhecer a teoria de Newton. Em primeiro lugar, porque (...) continua a ter validade e, em segundo lugar, porque sem a entender bem é impossível entenderem-se as teorias posteriores. Por muito antiquada que possa parecer, não há razão para deixar de a estudar (...). 
Passemos às humanidades. Já não se devem ler as obras de Sófocles, de Shakespeare ou de Cervantes? E no caso de se lerem, devemos explicá-las à luz das mais modernas correntes da crítica literária, de modo a não nos mostrarmos antiquados ou levar os alunos a aprender a amá-las e a desfrutá-las, como se tem feito sempre? Os bons professores de literatura do século XX aprenderam a gostar de Dom Quixote, que mal tem (...) se transmitirem o mesmo gosto aos seus alunos, do século XXI? 
E quanto à história, já não é preciso estudá-la? Se a história é o conhecimento do passado, do que já é antigo, nunca pode tornar-se antiquada (...). 
Não podemos adaptar-nos, nem interpretar, nem mudar o mundo em que vivemos se não o conhecermos bem. E o nosso mundo é um palimpsesto escrito sobre o Romantismo, que foi escrito sobre o Iluminismo, que foi escrito sobre a Contra-reforma, que foi escrito sobre o Renascimento, que foi escrito sobre a Idade Média, que foi escrito sobre o mundo latino, que, por sua vez, foi escrito sobre a Grécia, cuja cultura é devedora da egípcia e da suméria. 
Só conhecendo o passado podemos conhecer-nos a nós mesmos e ao nosso presente, porque somos o resultado de tudo o que nos precedeu (...). 
Somos herdeiros de um imenso caudal de sabedoria que, desde há quase três mil anos, foi guardado com muitas dificuldades (...) e que não se torna obsoleto. 
A nós, professores, cabe-nos a difícil e bela tarefa de conservar e transmitir esse legado aos nossos alunos para que também eles possam conhecê-lo, amá-lo e desfrutá-lo. 
É um acto de barbárie interceptar esse legado apenas e só para não parecermos estar ancorados no passado e cultivarmos uma imagem de vanguardistas, inovadores e progressitas."
Fonte: http://dererummundi.blogspot.com.br/2017/07/o-slogan-da-educacao-mundial.html 

quinta-feira, 20 de julho de 2017

VIAJAR NÃO É PRECISO


Houve um tempo em que viajar de avião era uma experiência divina. Vem nos livros: assentos espaçosos, aeromoças civilizadas, refeições dignas de um casamento real.
Lamento. Nunca conheci esse tempo. Em quatro décadas de vida, foi sempre a piorar. Hoje, regressado de uma viagem de dez horas, pergunto: vale a pena o duplo investimento? Falo do dinheiro para ir e do dinheiro para voltar. "Voltar", aqui, é no sentido ortopédico do termo: haverá fisioterapia para eu voltar a caminhar sem dores.
Tudo começa antes da viagem propriamente dita. O mesmo mundo que conseguiu enfiar um desgraçado na Lua é incapaz de encurtar os tempos de espera. O dia começa cedo, obscenamente cedo, porque é preciso estar duas ou três horas antes no lugar de embarque.
Cumprimos a tortura (de despertar) e depois cumprimos a outra (de carregar): são malas de 20 kg, nunca menos, que arrastamos pela madrugada até o táxi chegar.
O aeroporto se ergue no horizonte. Entramos. O cenário é Ellis Island, nos idos de 1900: filas quilométricas que se mexem com velocidade paquidérmica.
Nós, ensonados, já cansados, vamos empurrando a mala a pontapés. Às vezes ela cai sobre o companheiro da frente. O companheiro nem reage. Somos como os animais que caminham para o matadouro sem a energia suficiente para fugir ou chorar.
Segue-se para o controle de segurança. Removo o laptop. Descalço os sapatos. Tiro o cinto. Baixo as calças. O segurança diz que as calças não são necessárias. Passamos pelo detector de metais. Algo apita.
Os guardas aproximam-se com cara de caso e revistam-nos como se fôssemos criminosos potenciais. Nada encontram e nós suspiramos de alívio. Temos a vaga impressão de que não cometemos nenhum crime, mas nunca se sabe: como dizem os médicos, um paciente saudável é alguém que não foi devidamente analisado.
Caminhamos para a porta de embarque. Nos aeroportos modernos, isso significa que, a meio do percurso, pensamos seriamente se não é preferível esquecer o voo e continuar a pé até ao destino. Desistimos. Felizmente, só faltam 50 quilômetros para a porta de embarque.
Na porta, ninguém embarca. Mas já existem filas de passageiros que preferem esperar em pé porque se esqueceram que o voo tem lugares marcados. Sempre contemplei esses infelizes com caridade cristã: duas horas no aeroporto e eles já não pensam; seguem o rebanho e torturam-se sem necessidade.
Entramos no avião. Ou melhor, eu entro, sempre em último, e os companheiros lançam-me olhares de desprezo, só porque eu tive a desfaçatez de esperar sentado.
O meu lugar está ocupado com bolsas, livros, comida, às vezes uma criança de colo. Quando informo que o lugar é meu, a luz que existia no olhar do parceiro do lado extingue-se de imediato. Como é fácil destruir a esperança de um ser humano.
Sento-me. Melhor: encaixo-me. E ali fico, um corpo embalsamado: se me jogassem numa vitrine do Museu Britânico, eu seria mais uma múmia esperando pelo seu retrato.
Vem a comida. É o melhor momento da viagem. Nunca entendi aqueles que reclamam do produto. Eu provo, aprovo e até peço para embrulhar: tenho dois cães em casa que esperam ansiosos pelo manjar.
Cansado, esfaimado e delirante, sonho com lugares paradisíacos. No meu caso, esse lugar é sempre o mesmo: a parte de trás de uma ambulância, onde vou finalmente deitado na maca.
Acordo na aterrissagem, levanto-me e uma estranha sensação invade o meu corpo. Por momentos, penso que é a alegria de ter sobrevivido. Afinal, é apenas a minha circulação sanguínea a regressar.
E no futuro? A coisa promete. Leio em algum lugar que a Boeing tem um novo modelo na praça: é o 737 MAX 10. Com 230 lugares (o primeiro Boeing 737 tinha 124 assentos), o avião tenciona transportar mais gente em menos espaço. Creio que isso só será possível quebrando as articulações dos passageiros, mas prometo investigar.
Quando partilhei a informação com um colega viajante, ele rosnou: "Melhor ir no porão".
Pobrezinho! Como é inocente! O porão! Será que ele não sabe que o porão não é para a gente? É para animais ou cadáveres, duas classes que estão ligeiramente acima dos passageiros regulares? Digo mais: na aviação comercial moderna, só viaja bem quem vai na jaula ou no caixão.
Razão tinha o poeta: quando viajar é preciso, viver não é preciso.
 (João Pereira Coutinho)

Fonte: Folha de S. Paulo, Ilustrada,  4/07/17.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Fonte: Ilustríssima / Folha de S. Paulo / 7.Maio.2017

Fonte: Ilustríssima / Folha de S. Paulo / 7.Maio.2017

terça-feira, 9 de maio de 2017

AOS MESTRES, COM CARINHO

A missão do professor é ensinar a pensar, não catequizar sobre o certo e o errado. Uma carta divulgada por 14 alunos do Colégio Santa Cruz, criticando a adesão de seus professores à greve geral, evidencia que eles aprenderam. O cerne da crítica: os professores apelam a "noções generalistas de justiça social" e pautam-se "em um maniqueísmo exacerbado", adotando uma "forma de pensar" que "simplifica e empobrece o debate" sobre a reforma previdenciária.

Portinari pintou "Os Retirantes" em 1944, na trilha da criação do Dnocs e da Codevasf. A imagem pungente dos migrantes famélicos conferiu uma aura de santidade à captura de recursos federais pelas elites nordestinas. Na sua carta, os alunos explicam como a invocação ritual de direitos sociais oculta a defesa de privilégios corporativos: o regime especial do funcionalismo, as aposentadorias fidalgais do Judiciário. Eles aprenderam a identificar um truque clássico do discurso político –e confrontam a frase feita com o argumento.

Os pobres, álibi de sempre, não serviram para calar a boca desses 14, que oferecem uma aula a seus mestres. "Um direito ser garantido por lei não garante o orçamento necessário para cumpri-lo". Atrás do sistema de privilégios previdenciários, encontram-se os desastres no saneamento básico, na educação e na saúde públicas.

O deficit da Previdência, que cresce no compasso da dinâmica demográfica, só pode ser financiado pela reativação do tributo inflacionário, um imposto antidemocrático cobrado dos pobres. Quem ensina quem, nesse caso?

Os 14 refutam o manifesto grevista de seus professores, mas só desvendam parcialmente seu sentido político. A indagação crucial é: por que os mestres, "que nos possibilitaram desenvolver as competências necessárias para entrar no debate político", rejeitam a complexidade, retraindo-se à caverna do chavão sindical? Desconfio que as respostas a essa questão ajudem a iluminar a extensão da adesão à greve geral.

Na pré-história da nação brasileira, estão colonos empenhados em "fazer a América", capturando índios, buscando pedras preciosas, extraindo ouro. Prezamos, acima de tudo, a recompensa pecuniária pessoal. Na Istambul de 2013, uma onda de manifestações antigovernistas foi deflagrada pela defesa do parque Gezi, que se queria converter em shopping center.

Aqui, não fazemos isso. Escolas, hospitais, redes de esgoto, metrôs e trens, praças públicas, bibliotecas, museus, parques nacionais? Não: lutamos por repasses em moeda sonante, nas formas de aposentadorias precoces, pensões especiais, bolsas, multas rescisórias, passes livres, cestas básicas, uniformes escolares, faltas abonadas, cotas raciais, meia-entrada. Desprezamos os direitos sociais universais. Queremos nossa parte em dinheiro –e já!

A história política moderna do Brasil começa com Getúlio Vargas. O primeiro "pai do povo" ensinou-nos que o Estado funcionará como intermediador geral da disputa por rendas. Com ele, aprendemos a interpretar os "direitos" como notas promissórias emitidas pelo Tesouro em nome de indivíduos organizados em corporações.

Os empresários almejam subsídios do BNDES, os sindicalistas protegem o imposto sindical, os artistas cantam a glória de leis de incentivo financiadas por renúncia tributária. A nossa parte em dinheiro depende da qualidade da conexão política de nossa corporação. Séculos depois, os colonos ainda "fazem a América", mas por outros meios. A efígie de Vargas tremula na ponta dos mastros da greve geral.

Lula ensaiou uma reforma previdenciária, no primeiro mandato. Dilma falou sobre a necessidade de aumentar a idade de aposentadoria, no curto outono realista de seus últimos meses. De volta à oposição, o PT se esqueceu disso, investindo na canção antiga, que toca a alma da nação de colonos estatizados. Eis uma aula que os 14 não terão.

DEMÉTRIO MAGNOLI

Fonte: PODER, 29.04.2017 - Folha de S. Paulo

Artes & Letras Atelier



ROMA - La Bocca della Verità



quarta-feira, 8 de março de 2017


É evidente que no jogo político é visto como natural um partido da oposição dificultar a vida a um partido no poder. É igualmente evidente que esta prática reiterada parece legitimar quem, tendo estado no poder, faz agora o que lhe fizeram no passado. A coerência das ideias não é vista como uma virtude, é mais valorizada a coerência na ação, dependendo do lugar em que os políticos se encontram em cada momento. Presos à maquiavélica ideia de que "os fins justificam os meios", na política caseira vale tudo.É legítimo que o PSD de Pedro Passos Coelho vote contra a descida da TSU para os patrões, que sustenta o acordo de concertação social para a subida do salário mínimo? Sim, mas não escapa à comparação com o passado recente, em que defendeu a descida desta taxa nas empresas. Pode o PS esperar que o PSD esteja sempre disponível para lhe dar a mão, quando falham os seus parceiros de esquerda? Não, mas não é nestas matérias que o PSD fará perigar a geringonça.Os social-democratas alegam que a descida da TSU que colocaram em anterior concertação social tinha outros pressupostos no valor da subida do salário mínimo, mas o que querem votar ao lado da esquerda é o mérito de reduzir a TSU às empresas. Sendo evidente, por isso, que a intenção de Passos Coelho é apenas afirmar a sua liderança e não discutir as virtudes do acordo de concertação social, o líder do PSD menoriza-se quando pretende agigantar-se. Não é no interior dos partidos que os líderes primeiro encontram o isolamento, ele começa fora. Passos terá medido as consequências de ter contra si as confederações patronais e a UGT? Não me parece!A pequena política, a que hipoteca convicções, procurando ganhos conjunturais, não assegura grandes futuros. Pedro Passos Coelho ainda tem escapatória. Demonstrada a fragilidade política da coligação que o PS fez com os seus "amigos da esquerda", o PSD não pode trocar de lugar com os socialistas nessa coligação. Precisa de viabilizar a descida da TSU, pela abstenção que seja, para ganhar espaço para outros combates. O sistema financeiro que continua por resolver e a dívida portuguesa que começa a regressar a juros proibitivos exigem uma oposição mais eficaz no escrutínio às políticas econômicas do governo. A política tem muitos caminhos, mas alguns não levam a lado nenhum.


Fonte: Dário de Notícias - Domingo, 15 de janeiro de 2017.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Entrevista Diego Rosselli

Todo paciente tem um preço, afirma farmacoeconomista

(Diego Rosselli em congresso na Costa Rica)

Todos nós temos um preço, afirma o especialista em farmacoeconomia Diego Rosselli. Para o presidente da Sociedad Internacional de Farmacoeconomia e Investigación de Resultados, na Colômbia, "devemos saber que os recursos são limitados e ver o quanto podemos pagar por isso".
Para Rosselli, que palestrou no Roche Press Day, na Costa Rica, no último dia (7), tanto o governo quanto os usuários do sistema de saúde devem entender as dimensões econômicas de cada decisão na área.
Em outras palavras, é necessário entender o quanto vale investir em um ano a mais de vida de um paciente, em vez de observar apenas os custos do tratamento.
*
Folha - O que é preciso saber de farmacoeconomia pra não tomar decisões erradas?
Diego Rosselli - Uma das coisas que temos que colocar como objetivo é que cada um dos agentes que participam das decisões em saúde tenha conhecimento para negociar. E o paciente tem que conhecer as informações dos custos da enfermidade, os custos de não tratar a doença, os conceitos de custoefetividade para comparar uma doença à outra.
Todos nós, individual ou coletivamente, temos um preço?
Sim. Devemos saber que os recursos são limitados e ver o quanto podemos pagar por isso. Todos temos um preço.
O senhor fala de diferenciar os custos diretos, indiretos e intangíveis. Quais são eles?
O custo direto vem daquilo que tem preço, como um medicamento, uma diária em um hospital, o custo de deslocamento de levar um paciente de um lugar a outro.
Um custo indireto é o custo da produtividade de uma pessoa, de um dia em que não vai trabalhar ou do dia em que vai trabalhar mas não consegue trabalhar bem. Pode ser o caso de um cuidador, da pessoa que se aposenta cedo por invalidez.
Há um problema aí: os custos diretos podem ser parecidos para ricos e pobres, mas os custos indiretos são injustos com os pobres. Um escandinavo com artrite reumatoide que continua trabalhando consegue pagar um remédio que custa mil dólares todo mês. Agora, um trabalhador brasileiro dificilmente conseguiria isso com seu trabalho.
Já os custos intangíveis são mais difíceis de quantificar. São os custos da dor, da ansiedade. Se um médico pede um exame de sangue e constata que você tem HIV, e você está se sentindo bem, ainda assim há um custo pelo fato de você ter descoberto isso.
É mais difícil ainda se falarmos de morte. Perder um filho é uma experiência tão dolorosa que chega a ser difícil colocar um custo, e a sociedade valora isso de maneira diferente. Se alguém morre aos 12 anos, significa que algo de errado ocorreu.
Parece frio esse olhar matemático diante de uma doença. Ou mesmo uma política pública em que o governo tenha que dizer "então, a partir de 70 anos não vamos pagar tal remédio". Como chegar a um denominador comum?
Estávamos reunidos com um grupo de transplantados, falando sobre transplante de rim. Discutíamos uma situação em que há apenas um rim disponível e dois pacientes que precisam dele, um de 21 anos e outro de 70. A quem daríamos o rim? O Presidente da Associação Colombiana de Transplantados, que tem cerca de 70 anos, disse "isso não é justo, paguei meus impostos a vida inteira". Então, ele já teria pago por esse rim, e o de 21 anos, não. Com o envelhecimento das nações, esse é um problema que veremos cada vez mais.
Imagine que você tem 70 anos, dois filhos, seis netos. Vocês têm uma casa familiar, um carro, um capital de alguns milhares de dólares. Se você adoece e dizem que você tem que pagar US$ 50 mil pelo tratamento para que viva alguns anos a mais, é preciso refletir. Essa é uma reflexão que exige que aceitemos a morte, que é um passo importante na nossa cultura.
Então, mesmo o custo da cura deve ser sustentável?
Sim, penso que sim. Creio que um dia vamos chegar a estabelecer um valor a uma pessoa, como em casos de câncer de pulmão, que tem um custo alto.
E se a pessoa nunca fez esforço para deixar de fumar e isso culminou em um tumor? Com que direito ela quer que paguemos US$ 50 mil pelo seu tratamento? É um valor diferente de uma pessoa que fez esse esforço para parar de fumar. Devemos valorar isso um dia?
E como levar essa discussão para as políticas públicas?
Não há nenhum país que tenha conseguido isso. Quando falamos de PIB per capita do Brasil, há uma diferença entre Estados, entre o Rio Grande do Sul e o Amazonas. Não há país que tenha incorporado isso, essa forma de tratar as pessoas como se não valessem o mesmo. Mas há razões para imaginar que, um dia, isso pode mudar.
Quais as dificuldades para um país em crise como o Brasil?
O Brasil tem um grande problema, que é o seu tamanho. É grande em geografia, em diversidade. Se você pensar em Uruguai, em Costa Rica, fica mais fácil decidir para uns poucos milhões.
Uma coisa que está nascendo no Brasil e em outros países latino-americanos é o chamado "risco compartilhado" –quando um remédio entra no mercado, mas num regime condicionado.
Um novo mecanismo pode ser um sistema em que se paga pelo paciente que responde ao tratamento. Agora o Brasil tem problemas para resolver, como a crise e os Jogos Olímpicos do Rio. Depois, podemos voltar a conversar.
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RAIO-X - DIEGO ROSSELLI
Formação
Médico pela Universidade de Rosario e mestrado em ciências pela London School of Economics e em educação em Harvard

Trajetória
Professor na Pontifícia Universidade Javeriana (Colômbia); diretor de desenvolvimento científico e tecnológico no Ministério da Saúde do país (1993-1996)

A jornalista viajou a convite da Roche e integrou o 4º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde. 


Fonte: Folha de S. Paulo (Saúde+Ciência) - 23/07/2016