sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Economia

Segundo relatório da PricewaterhouseCoopers divulgado em Londres o Brasil será a quinta maior economia do mundo já em 2013.

Até lá o país terá ultrapassado gigantes como Alemanha, Reino Unido e França.

Outro dado do estudo indica que até 2020 o PIB do E7, os 7 maiores paises emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia) será maior que o do G7.

Cinco das dez maiores economias, até 2030, serão paises hoje tidos como emergentes.

Saiba no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 22/01/10

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Risco

A reforma do sistema de saúde americano, uma das principais promessas do candidato Obama, corre risco.

É que sua aprovação no senado exige o apoio de 60 senadores e os democratas vem de perder a cadeira do falecido senador Ted Kennedy do estado de Massachusetts.

O estado, tradicional reduto democrata, surpreendeu ao eleger como substituto de Kennedy um republicano, Scott Brown, desconhecido senador estadual.

Sua fama estava restrita às leitoras da revista Cosmopolitan, editada no Brasil como Nova, para a qual posou seminu, em fotos sensuais, após ter sido eleito, pela publicação, o homem mais sexy, em 1982.

O resultado diminuiu a bancada democrata para 59 senadores quorum insuficiente para aprovar a reforma. A derrota democrata foi interpretada pelos republicanos como repúdio às políticas de Obama.

Saiba mais no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 21/01/10

Turismo

Anya Ribeiro, consultora empresarial, ex secretária de turismo, critica a política de turismo centrada na realização de grandes investimentos de infraestrutura.

Para ela o modelo adotado não funciona porque a "cidade não é pensada como um todo, o pré-carnaval é sub-aproveitado".

O aquário requer investimento e manutenção muito altos para ser algo fechado e sem integração com o entorno.

O Centro de Feiras e Eventos "não tem demanda de acontecimentos, empresas ou pessoal preparado para sustentar um espaço de 73 mil metros quadrados, o equivalente ao aterro da Praia de Iracema"

Saiba mais no Diário do Nordeste, edição de 01/02/10.

Cultura

Pela primeira vez o orçamento da união destina ao Ministério da Cultura recursos superiores a 1% do total. A média histórica costumava estar ao redor de 0,5%. Agora é lutar para que não haja contingenciamento de verbas.

O percentual, embora ínfimo, é relevante, considerando os anos anteriores e as disputas acirradas por dinheiro, tratando-se de ano eleitoral.

Saiba mais no Diário Econômico, edição de 16/01/10

Twittadas

* Vou criar uma agência seguradora chamada Jesus, o slogan vai ser Jesus tem um plano para você.

* A UDN tá cada dia mais ridícula e gagá...

* Metas para 2010 : parar de fumar e comprar um cavalo.

* À s vezes é melhor ficar calado deixando que os outros pendem que você é um idiota, do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida.

* Existem dias que até o mais desprovido de sentimentos preferiria que não tivessem acontecido.

Da coluna As Grandes Twittadas da Semana, no jornal Diário Econômico, edição de 16/01/10

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Do Blog do Josias de Souza

Ciro diz que Lula ‘está errado’ e reafirma candidatura


De volta a Brasília, Ciro Gomes (PSB) reafirmou, para desassossego de Lula, o seu projeto presidencial.


Afastou, em termos peremptórios, a possibilidade de vir a se envolver na refrega eleitoral São Paulo.

“Lula está errado ao querer que eu seja candidato a governador de São Paulo”.

Acha que sua exclusão do xadrez presidencial imporia a Dilma o risco de levar um xeque-mate do rival tucano José Serra já no primeiro turno.

Declarou que a retirada de sua candidatura ao Planalto só interessa a Serra. Daí a conclusão de que, nessa matéria, “o santo Lula está errado".

Inviabilizando-se como presidenciável, Ciro prefere "sair da vida pública” por um tempo: “Para mim, a política não é meio de vida".

Até quando vai esticar a corda? "Até onde puder, ou seja, outubro", o mês da eleição. Como que decidido a açoitar as dúvidas, Ciro foi às críticas.

Repetiu que a coligação que se forma ao redor de Dilma, escorada no PT e no PMDB, tem “moral frouxa”.

Como assim? Insinua que a aliança dos dois sócios majoritários da coligação governista traz um rastro de encrencas esperando para acontecer.

Nas palavras de Ciro: "Um roçado de escândalos semeado". Levou à roda o grão-petista José Dirceu, recém-reconduzido ao diretório nacional do PT.

Chamou de “golpista” a movimentação de Dirceu, espécie de costureiro informal do crochê partidário que o PT tenta tecer nos Estados.

Em São Paulo, Dirceu trabalha para acomodar Ciro nos calcanhares de Geraldo Alckmin, provável candidato do PSDB à sucessão de Serra.

Ciro contou que Dirceu o procurou. Em viagem à Europa, mandou dizer que estava “ocupado”. Com o quê? “Férias”.

De resto, Ciro disse que trabalhará para seduzir partidos que se disponham a formar com o seu PSB uma coligação.

Obsessivo, afirmou que só pensa na candidatura presidencial –“24 horas por dia”, segundo disse.

Em Fortaleza, o governador cearense Cid Gomes (PSB) ecoou Ciro. Disse que seu irmão vai mesmo às urnas como presidenciável.

Deu a entender que, a despeito das pressões, o PSB está fechado com Ciro. Tanto que o levará à vitrine em propaganda partidária prestes a ser exibida na TV.

"O programa é muito direcionado para fortalecer a sua posição como pré-candidato”, afirmou Cid.

Escrito por Josias de Souza às 04h57

A frase do dia

Os corações dos nossos amigos são frequentemente mais impenetráveis que os dos nossos inimigos.

Paul Valery, poeta e ensaista francês (1871/1945)

Extorsão

O mal estar e a crise hipertensiva de Lula se devem às cenas explícitas de extorsão política a que está sendo submetido.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Cerco

Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão.
Se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas nascerão...

Do cântico de comunhão entoado na missa inaugural da Paróquia mãe Santissima, no bairro Dois Irmãos, quando tomou posse como pároco o Padre Reginaldo Guimarães.

Fiquei sensibilizado com a lembrança de meu nome pelo apoio dado por mim à comunidade no período em que fui prefeito de Fortaleza.

Assembleia

A Assembleia Legislativa retoma seus trabalhos.

Ano passado seu presidente, ao término da sessão legislativa, declarou à imprensa que a produção legislativa foi recorde.

O parlamento existe para legislar e fiscalizar. Na atividade fiscalizadora tambem foi batido recorde. Negativo. Simplesmente não se fiscalizou nada.

Sequer deputados diligentes tiveram respeitado seu direito de se informarem sobre ações do governo.

Saiba mais no jornal O Povo, edição de 19/12/09

Estaleiro

Afinal a prefeita dá um grito em defesa da cidade e da sua competência funcional.

Declara, esta cidade tem prefeita, numa reação às manobras do governador para implantar um estaleiro naval na praia do titanzinho a revelia da prefeitura e da lei.

O plano diretor de Fortaleza veda a implantação de equipamentos dessa natureza naquela região.

Os argumentos do governador a favor da obra vão do terrorismo econômico à puerícia. Simplifica o debate com argumentos frágeis, que ofendem a inteligência até das pessoas mais simples.

Ironiza os surfistas, e diz que o plano diretor não permite o estaleiro porque à época não se falava nisso.
Vindo de um ex prefeito a afirmação denuncia uma ignorância técnica inadmissível.

Do ponto de vista político a articulação do governador junto aos vereadores, na ausência da prefeita, em favor do estaleiro, foi um desrespeito à aliada e gestora da cidade.

Refém, por necessidade eleitoral e anemia financeira e administrativa, a prefeita cedeu espaço ao governador que assumia aos poucos o controle das intervenções na cidade sob seu olhar complacente.

Exemplo do que digo é a construção do centro de feiras, sem estudo prévio de impacto sobre o tráfego e o meio ambiente, iniciada a obra sem as indispensáveis licenças ainda hoje cobradas pelo Ministério Público.

Fortaleza e Rio

Fortaleza está em vias de se tornar um Rio de Janeiro. Calma, pessoal! É só em matéria de insegurança.

Aqui, como lá, policiais intimidados pelos bandidos ocultam sua identidade e evitam andar fardados.

domingo, 31 de janeiro de 2010

José de Alencar, o político

Em José de Alencar, a literatura e a política são duas faces da mesma alma. O escritor e o político conviveram juntos, alternando-se em predomínio ao sabor de circunstâncias que pontuaram sua breve e atormentada existência. Ao cabo, como disse Rachel de Queiroz em introdução que escreveu para o volume da série Perfis Parlamentares, editada pela Câmara dos Deputados, dedicada a Alencar, “um dos irmãos xipófagos acaba perdendo. No caso o escritor, reconhecido como o fundador da literatura brasileira, sobrepujou o político, frustrado por uma solitária decisão do imperador.” Só muito mais tarde estudiosos da ciência política exumaram-no para atribuir-lhe grande mérito de pensador político.

Mário de Alencar divide a vida do pai em dois períodos – o primeiro, de 1855 a 1868, do poeta de ficção, e o segundo, de 1868 a 1877, do político. Na verdade, a separação é artificial, pois, se antes a política não germinara, depois a literatura não esteve morta. Em Como e porque sou romancista, texto autobiográfico, ele revela seu despertar para a política ao declarar: “O único homem novo e quase estranho que nasceu em mim com a virilidade foi o político. Ou não tinha vocação para essa carreira, ou considerava o governo do estado coisa tão importante e grave, que não me animei nunca a ingerir-me nesses negócios. Entretanto eu saia de uma família para quem a política era uma religião e onde haviam elaborado grandes acontecimentos de nossa história.”

De fato, os antecedentes familiares pareciam predestiná-lo à política, pois além da avó, Bárbara de Alencar, e do pai, presidente da província por duas vezes e senador, outros membros do clã também atuaram com destaque na vida pública, desde as lutas liberais de 1817 e 1824, nos albores da nacionalidade. Em casa, as reuniões promovidas pelo senador Alencar, distinguido articulador político, terão embutido no jovem a semente do ideal que o impeleria à vida pública.

Arthur da Motta, biógrafo de José de Alencar, admite que no Brasil, à época, havia quatro formas de ingressar na política:através do jornalismo; como advogado, ou médico no interior; tendo um nome ilustre na política; ou por matrimônio com filha de família influente. Nosso autor preenchia duas condições. Iniciara-se no jornalismo, e o pai senador detinha liderança no Ceará capaz de dar partida à sua carreira. No Correio Mercantil, suas crônicas, com o título de Ao correr da pena, alcançavam enorme sucesso e projetavam seu nome na corte. Enquanto isso, o senador Alencar, velho e doente, escrevia a João Brígido, preocupado em fazer o filho seu sucessor.

Os que estudaram sua vida são unânimes em identificá-lo como pessoa arredia, muito susceptível, melindrada mesmo, com exacerbado amor próprio, e vaidosa intelectual. Tais atributos não lhe fariam vida fácil na literatura e na política, mormente na última atividade, gregária por natureza, cujo convívio requer habilidade e transigência. Com esse espírito, queixou-se sempre da crítica, literária ou política, e da indiferença que julgava injustas para com o talento criativo e a elevação intelectual que o caracterizavam. Tinha o perfil do polemista atirado à luta com ardor e entusiasmo, acarretando-lhe fama e desafeições que cobrariam alto custo vida afora.

O aparecimento do poema Confederação dos Tamoios, da autoria de Domingos Gonçalves de Magalhães, considerado o introdutor do romantismo no Brasil, com o livro Suspiros Poéticos e Saudades, em luxuosa edição patrocinada pelo amigo D. Pedro II, levou-o a uma crítica contundente da obra. Fê-la no Diário do Rio de Janeiro, que então dirigia, sob a forma de cartas que assinava com o pseudônimo de IG, o primeiro dos muitos que viria a usar. Centrou o ataque na acusação de plágio ao Uruguai ,de Basílio da Gama, no mau estilo que considerava muito aquém da grandiosidade épica intentada pelo poeta.

Mobilizados pelo imperador, escritores amigos vieram à liça em defesa de Magalhães, tendo assomado com destaque Araújo Porto Alegre, sob o título de Amigo do Poeta. Mais tarde, foi o próprio D. Pedro II que, incomodado com o estrago feito por Alencar na obra que imaginara para projetar nossa literatura, a partir de um tema autenticamente brasileiro, socorre o amigo assinando a defesa como Outro Amigo do Poeta.

Ao vislumbrar no episódio intenções políticas de Alencar em atingir o imperador, Porto-Alegre acusou-o “de ferir o protegido para não ferir o protetor.” O episódio marcaria o início de uma relação conflituosa entre os dois que acabaria numa inimizade definitiva. Ademais, anunciara Alencar o intuito de escrever obra inovadora, na linguagem e no conteúdo, fundadora da nacionalidade, calcada no indianismo e na exuberância da natureza, tarefa da qual o ungido da Coroa estivera distante de se desincumbir.

Atuando como advogado em conceituado escritório e no jornalismo diário, aproveita suas relações para empregar-se no Ministério da Justiça, dirigido por Nabuco de Araújo, recomendado por Eusébio de Queirós. Jovem ainda, aos trinta anos, já é Conselheiro do império.

Em 1856, candidata-se a deputado sem o menor empenho, sequer visita a terra natal, não é eleito. Em 1860, ano da morte do pai, volta a concorrer, articulado com o Padre Thomaz Pompeu, o mais tarde Senador Pompeu, e outros amigos do pai, militantes do Partido Liberal. Recebe também o apoio de Eusébio de Queirós junto aos chefes conservadores, o que lhe assegura eleição tranquila. Durante o período em que permanece no Ceará, demonstra sua inapetência para a convivência com eleitores e chefes políticos, tranca-se em casa, amuado, angustiado, apesar da quase certeza da vitória. A experiência eleitoral, mesmo exitosa, já anunciava o conceito que teria da política, trêfega e ingrata.

De volta ao Rio de Janeiro, traz consigo o diploma de deputado e, segundo Raimundo de Menezes, o esboço de Iracema. Ao optar pelo partido conservador, de cujo chefe eminente, seu parente e amigo, Domingos Jaguaribe, recebera decisivo apoio, desperta críticas de próceres que estranharam seu divórcio com as raízes liberais da família. Zacarias de Goes logo o chamou de vira-casaca e Teófilo Ottoni acusou-o de “haver rompido com as tradições gloriosas desse mártir da liberdade que foi seu venerando pai.”

Ao justificar sua preferência pelos conservadores, o novel parlamentar disse ter sido decorrência da maturidade política que apontou o caminho indicado por sua índole e aspiração. “Não admito a herança nem das convicções, nem dos ódios”, concluiu.

A aguardada estreia do escritor consagrado foi um fiasco. Àquele tempo não havia político de sucesso que não fosse bom orador. Franzino, sem gesticulação, com uma voz débil, Alencar impressionara mal em sua primeira intervenção, feita para defender o mandato contestado do Dr. Jaguaribe, sendo vitoriosa sua tese. O orador sem brilho merece o primeiro comentário preconceituoso de Teófilo Ottoni: “Nem de longe lembra o pai; deve voltar aos seus folhetins e aos seus romancetes”. Não dava para prever o tribuno que viria a ser, mordaz e irônico, argumentador consistente, de réplicas prontas, combativo, debatedor afiado, ouvido com respeito, capaz de ombrear-se aos maiores oradores com assento no parlamento. Alçou-se a esse patamar vencendo limitações físicas, que a doença agravaria, não raro invocadas no decorrer dos debates parlamentares ou na imprensa. “Fanadinho”, chamou-o Zacarias em meio a acirrada discussão, para ouvir em resposta “...que os homens baixos levam a vantagem de não se curvarem. Quando passam por portas altas ou baixas conservam a cabeça erguida.”

Até a dissolução da Câmara em 1963, o deputado se ocupa em seus discursos das competências legislativas das assembléias provinciais, da administração pública, ao propor a criação de um tribunal de contas que a fiscalize, do direito do voto e da responsabilidade cívica do eleitor.

As férias forçadas do parlamentar devolvem-no integralmente à literatura, que, na verdade, nunca abandona. Em 62, ainda deputado, lança Luciola, um perfil de mulher, recebido pela imprensa com indiferença, alcança, não obstante, êxito de público. Pela natureza do tema, críticos enxergam no livro, assinado com o pseudônimo G.M., conteúdo imoral, obra “que a avó não podia permitir à neta.” Entre os críticos da publicação, destaca-se o imperador que estranha ter “o conselheiro Alencar escrito obra tão licenciosamente realista”. Vai além D. Pedro II, para, mordaz, fazer coro com outras vozes e considerar Lucíola “um pastiche, edição barata de Manon Lescaut; espécie de dama das camélias da Rua dos Arcos...”Alencar retruca aos que repetem a crítica imperial: “Ele é incapaz de escrever coisa pior”.

Pela segunda vez, os dois se confrontam a propósito de questões literárias com inevitável repercussão no plano político. Estávamos nos pródromos do que viria a ser uma antipatia recíproca.

O ano de 1865 assinala o aparecimento das Cartas políticas de Erasmo, logo identificadas como de autoria de José de Alencar. Mais tarde publicaria Novas cartas políticas de Erasmo, ambas séries dirigidas ao imperador, e outra sequência de cartas destinadas ao povo. Os textos traziam um duro retrato do pais e de sua classe política ao tempo que concitavam o monarca a intervir na situação, fazendo uso do poder pessoal para regenerar o pais, renovando os costumes e a classe política. Apesar da firmeza do diagnóstico, o tom foi considerado blandicioso, e o tratamento severo e respeitoso reservado a D. Pedro interpretado como desejo de aliança. Segundo Alencar, o pais ia muito mal, e só o imperador, com sua liderança, poderia salvá-lo. Taxativo, afirmava: “O Brasil só pode ser arrancado do abismo em que se precipita, pelas mãos do seu amado imperador.”

A interpelação veemente que exortava de forma elogiosa o imperador a valer-se do poder moderador, outorgado pela constituição, para reformar o Brasil mereceu resposta do paço, assinada com o pseudônimo de Scaligero. O modo ambíguo como Erasmo formulou sua crítica suscitou avaliações divergentes quanto ao libelo de Alencar. Agripino Grieco, segundo Brito Broca, enfileirou-se entre os que viram no panfleto uma “fricção de lixa” em D. Pedro II; já Silveira Lobo, político da época, viu nas cartas o “doce mel da lisonja” que ajudou a abrir-lhe as portas do ministério. A exortação feita ao rei para que assumisse maior protagonismo político acarretou ao autor das cartas a increpação de defensor ao absolutismo, o que rebateu ao invocar a constituição de 24 e não, expressão sua, “o aleijão que dela fizeram.”

As cartas endereçadas ao Visconde de Itaboraí e ao Marquês de Olinda, elogiosa com o primeiro e cáustica com o segundo, anunciavam o intento de ascensão ao poder de uma nova geração de políticos.

Surpreendido com a outorga pelo imperador da comenda da Ordem da Rosa no grau de cavaleiro, o conselheiro recusa a honraria em carta ao ministro do império. Em linguagem cortês, diz-se sem méritos que a justifiquem. A rejeição tornada pública pelo jornal agrava a desfeita à sua majestade. O fato da lista de condecorados trazer o nome de Gonçalves de Magalhães, o poeta da Confederação dos Tamoios, em grau superior ao seu, talvez ajude a compreender a reação do romancista.

Alencar não desiste. Volta a fustigar o imperador em dois panfletos satíricos , escritos de forma ferina e escarnecedora. O primeiro, Juízo de Deus –Visão de Jó simula um diálogo entre Pedro I e Pedro II no qual o pai compara os seus aos defeitos avantajados do filho. Em A corte do leão – obra escrita por um asno, o reparo feito sob a forma de uma metáfora com animais ridiculariza a Coroa e sua liturgia ao zombar do cerimonial e ironizar os áulicos da corte.

O revide não tardaria. Veio em forma de decreto que declarou extinto o cargo de consultor jurídico do ministério da justiça, posto ocupado por José de Alencar. Declarado árido, sem função definida, prefere exonerar-se, solicitando antes a publicação em diário oficial dos pareceres que oferecera, o que aliás nunca aconteceu.

No mesmo ano, 1868, Alencar publica Sistema Representativo, elaborado estudo no qual preconiza reformas institucionais que garantissem a representação da minoria mediante a adoção de leis que pusessem termo ás fraudes e vícios eleitorais.

Ainda em 68, chegaria, de forma inesperada, ao apogeu de sua carreira política. Cai o gabinete liberal, e o imperador encarrega Itaboraí de organizar o governo. A guinada política de D. Pedro II conduz os conservadores ao poder. Itaboraí, elogiado por Erasmo, convida-o para assumir a pasta da justiça. Como explicar que um adversário implacável de Coroa fosse convidado para integrar o ministério? Preocupado com “o pudor dos homens em se confessarem conservadores” e “em nobilitar o título, tirá-lo do pó”, articulara em reuniões que organizava em casa a “União Conservadora”, que congrega os chefes do partido. O prestígio partidário não bastaria à indicação, não fora a anuência de sua majestade, ou mesmo a lembrança de seu nome a Itaborai, como querem alguns. A atitude de D. Pedro II explicar-se-ia pela conduta magnânima e tolerante com a qual apreciava ser reconhecido.

Ministro, Alencar nunca esteve confortável no cargo. Sentia-se desajustado em meio aos rituais da Corte, que desdenhava, e incomodado com a lentidão e o anacronismo da burocracia imperial. De par com isso, o convívio com os colegas não se mostrara fácil. A organização do gabinete já lançara o germe da desunião. Cotegipe, preterido para o Ministério da Justiça, aceitara o da Marinha, sem deixar de tramar contra Alencar que o tinha por “areia na roda” às suas pretensões.

Operoso e determinado, o Ministro da Justiça, sem emprestar maior importância às miudezas da política, dava pouca atenção aos deputados e seus pedidos, e investia sobre instituições tradicionalmente postas ao serviço dos políticos e seus interesses. Agia na política, na expressão de um de seus comentaristas, como se escrevesse um romance, sem um plano definido, sem se preocupar com alianças, sem olhos no chão, como se estivera em patamar superior, guindado pelo mérito e o prestigio de escritor que a todos submetesse aos seus desígnios pessoais.

No parlamento e na imprensa, as críticas se sucediam, recordando a infidelidade às origens liberais da família, as nomeações para a Guarda Nacional, e a interferência para que o irmão Leonel fosse feito deputado pelo longínquo Amazonas. Nos jornais, a critica era insinuada por colegas de gabinete insatisfeitos com a resistência que opunha a investidas em assuntos de seus ministério, particularmente em relação à Guarda Nacional cuja reforma constituira ponto de honra para o ministro. No senado, Zacarias de Goes aludia à temeridade do “escritor-ministro”, mas não admira, “pois ele tais ciúmes tem da sua reputação literária, que não consente que se lhe toque.” Chamado de escritor de folhetins pelos que o combatiam para depreciar sua capacidade política, ganhou do sarcástico Cotegipe, colega de gabinete, a alcunha de “pirracento”, graças à intransigência com que defendia seus pontos de vista.

Sua situação no ministério se tornaria mais precária à medida que se deterioravam suas relações com o imperador. Avesso a etiquetas, pouco frequentava o paço e se impacientava com a demora nas decisões que considerava inadiáveis. Aborreciam-no as cobranças minuciosas que lhe dirigia em bilhetes o imperador. Por considerar ilegal, inútil e incumbência estranha à pasta, decide suspender a remessa de recortes de jornais ao trono, dando disso ciência ao destinatário em comunicado, algo ríspido. Contraria-se quando D. Pedro II deixa de assinar de imediato os atos que lhe submete, alegando necessidade de melhor estudá-los. Desagrada-o igualmente a forma como ele reluta em aceitar a exoneração do comandante da Guarda Nacional, comprometida com o recrutamento arbitrário inspirado em ódios políticos cuja prática o ministro tão bem conhecia. Some-se, ainda, no terreno das circunstâncias, a oposição de Alencar, movido por razões constitucionais, à intenção da Coroa de conceder a Caxias o título de duque e integrar a princesa Isabel e o Conde D’eu no Conselho de Estado.

A altivez do ministro, preocupado em não parecer subserviente, beirava às vezes a insolência, manifestada em pequenos gestos.

Na literatura, como na política, José de Alencar inspirou-se nos ingleses, talvez em razão do casamento com a filha do médico e empresário inglês Thomas Cochrane. Por isso imaginava um gabinete que se reunisse e deliberasse sem a presença do monarca, e os ministros gozassem de independência na gestão dos negócios a seu cargo. Aí estaria, de acordo com Arthur Motta, o pomo da discórdia, que levaria à desagregação do gabinete.

Tanto Alencar como Cotegipe, desentendidos no gabinete, solicitavam a Itaboraí exoneração dos cargos, exigindo deste permanente esforço de contemporização e equilíbrio entre ambos.

Entrementes coloca-se a questão da possível anulação da eleição para duas vagas de senador pelo Ceará, para as quais haviam sido escolhidos Saldanha Marinho e Pinto Mendonça. A insistência de Alencar acaba por convencer o imperador a anular o pleito. A manobra abre-lhe o caminho para o senado, mas desperta críticas, tendo o jornal O Cearense afirmado que “o manejo colocaria nódoas em seu fardão de ministro.”

Desconfiado, sente que o imperador não o prestigia, tendo rejeitado três nomes de sua confiança para presidir a província. Acompanha de perto as ações de ministro, cioso de que não se valesse do cargo para eleger-se senador. Demitido por Alencar, o Chefe de Polícia do Pará informou ao imperador atribuir a exoneração à descoberta por ele da autoria de crimes cometidos com a cumplicidade de gente do Ceará ligada ao ministro. A intriga ecoou nos ouvidos imperiais. Ao comunicar ao imperador a decisão de candidatar-se, este reage, desaconselhando-o, com o argumento da pouca idade de Alencar que retrucou de imediato ao lembrar-lhe da maioridade precoce que o colocou no trono, o que D. Pedro II atribuiu a razões de Estado. Como Alencar insistisse na pretensão, o monarca se limitou a dizer lacônico:

— Faça como entender; dou uma opinião...

— Que vale uma sentença...— completou o ministro.

Os acontecimentos posteriores mostrariam que a sentença já fora lavrada.

Efetivada a eleição, José de Alencar encabeça lista sêxtupla como o mais votado. Poucos dias depois, surpreende o imperador com o pedido de demissão, insatisfeito com o crescente desacordo entre os colegas bem como para deixá-lo à vontade na questão do Ceará.

Em sua breve passagem pelo ministério, Alencar encaminhou ao parlamento projeto de reforma judiciária, introdução do habeas corpus preventivo, fim da pena de morte. A medida que se tornou mais conhecida está no decreto 1855, que pôs termo à transação pública com escravos no Valongo.

Retirado na bucólica Tijuca, Alencar aguardava ansioso a decisão do rei, que viria após quatro meses, nas pessoas de Domingos Jaguaribe e Figueira de Melo. A notícia caiu como um raio. Tentativa de colegas não lograram fazer o imperador recuar na escolha para atender Alencar, embora o fizesse em caso semelhante.

Nascia o inimigo do rei, na feliz expressão de Lira Neto, em cujo “coração o imperador gravara um espinho que sangraria até o fim”. (Luis Viana Filho)

É provável que Alencar tenha alimentado esperança em ser escolhido, confiado na fama de escritor. Daí sua enorme decepção com o resultado. Prova de que não conhecia o imperador, que, dissimulado e malicioso, costumava “poupar os fracos e abater os soberbos”. Se não conhecia o imperador, tampouco entendia o parlamentarismo brasileiro, ou ao menos como funcionava na prática, no âmago do governo. Sonhava com as instituições políticas britânicas, consolidadas, em perfeito funcionamento, onde o rei não passava de um símbolo de poder e do Estado.

O parlamentarismo do império era imperfeito, incompleto, orleânico, pelo realce da figura real que acumulava em sua pessoa o executivo e o poder moderador.

O poder moderador foi uma concepção de Benjamim Constant, que o imaginava como uma força neutra, capaz de, acionada, corrigir desarranjos no funcionamento harmônico dos três poderes. A idéia de Constant, autor muito lido à época, foi incorporada, de forma pioneira, em nossa Constituição de 1824, atribuindo ao imperador os poderes moderador e executivo.

Foi esse poder moderador que José de Alencar, na pele de Erasmo, incitou D. Pedro II a exercer intensamente “nestes tempos calamitosos de indiferentismo e descrença um entusiasmo e a fé para o povo”. Tanta ênfase levou suspeita de pregação absolutista desfeita pela militância política, continuada na defesa da representação da minoria e do aprimoramento eleitoral. Apeado do ministério e frustrado na pretensão senatorial, desolado, acometido de profunda amargura, desencadeia da tribuna e pela imprensa tenaz oposição ao governo sem poupar das ácidas críticas o próprio imperador. Considerava o poder moderador a fonte de todos os males do pais, esquecido do quanto o invocara nas cartas políticas que causaram tanta impressão, e que agora considera “pólipo monstruoso, o governo pessoal, que invade tudo, desde as transcendentes questões da alta política até as nugas da pequena administração.”

A coerência não é virtude que resista às paixões da política. E a questão do poder moderador não foi a única contradição de Alencar. Atacou o governo que subvencionava jornais mas quando dirigiu o Diário do Rio de Janeiro acionou o amigo influente, Eusébio de Queirós, para obter o direito de publicar os anais do Senado.

Na forma como se demitiu do ministério, traiu-o o temperamento exaltado e a altivez que lhe tiraram a paciência para perceber a trama ao seu redor, tecida pela divergência ardilosa de políticos experientes, desatendendo aos apelos para que não se precipitasse.

Rachel de Queiroz acredita que a causa dos conflitos de José de Alencar vinha de dentro e não de fora. Resultavam os atritos frequentes da contradição entre o escritor de brilho, admirador da política e da literatura inglesa, e a lembrança das enxovias e fuzilamentos infligidos aos seus antepassados pelo avô e pai do monarca que cumpria beijar a mão ao paço.

Ouso ponderar que a doença e o fato de ser filho de padre tenham contribuído para sua aspereza e retraimento, obstáculos a um perfeito convívio social.

A doença atingiu-o cedo, em Olinda, jovem estudante de direito, episódio narrado por ele mesmo: “A moléstia tocara-me com sua mão descarnada; e deixou-me uma espécie de terror da solidão em que tanto se deleitava meu espírito, e onde se embalavam as cismas e devaneios da fantasia.” É difícil crer que a doença que comprometeu seu desempenho político, e lhe abreviou a vida, não lhe tenha marcado a alma e influenciado no seu relacionamento com os outros. O comprometimento do físico e da voz era motivo de exploração pelos adversários e detratores que ademais sussurravam na câmara às suas costas: tuberculoso...

A questão da paternidade parecia lhe intimidar, como se pudesse vir à tona a qualquer instante, em meio às numerosas polêmicas e querelas em que se envolveu ao longo da vida. Se não transpareceu na imprensa, ou nos debates parlamentares, deve ter sido motivo para comentários maliciosos dos círculos políticos e literários. Conta-se que o imperador, irritado, teria se referido certa feita à “teimosia desse filho de padre”.

Ao suspeitar que em discurso Rio Branco, condenando suas idéias conservadoras e o pouco apego à religião, insinuasse a situação familiar do velho senador, Alencar reage enérgico, mesmo após a negativa esclarecedora do orador: “satisfaz-me plenamente a asseveração de sua excelência, mas para que nunca mais se levante diante de mim com pretensões de ferir-me esta alusão, devo declarar ao nobre Presidente do Conselho, que foi lutando desde a infância contra os perigos sociais, que eu dei à minha alma a têmpera necessária para afrontar as iras do poder.” Parece a resposta de quem estava preparado para ter que um dia enfrentar a questão que hibernava incômoda em seu espírito.

A literatura e a política preencheram quase todos os espaços em sua vida, alternando-se em prioridade ao sabor das circunstâncias, “cada uma ilumina, e explica a outra”. Como nos conta em Como e porque sou romancista, quando, demissionário do ministério, troca a pasta auriverde dos negócios de estado pela outra de velho papelão que era então a arca do “meu tesouro.”

Alencar não foi o primeiro literato a ser tentado pela política impulsionado pela tradição e a aspiração da glória que o fascinava. De início, para vencer a resistência contra escritores na política, tidos em geral por personagens boêmias, irresponsáveis, assinou com pseudônimos suas primeiras obras. Atribuíam-lhes suposta inapetência para os negócios públicos e incapacidade para lidar com a rotina desgastante da prática política. Segundo Rachel de Queiroz, reunia as qualidades essenciais, faltavam-lhe as acessórias. O suficiente para barrar-lhe o caminho do Senado, a almejada vitaliciedade trincheira para defesa de suas idéias com total independência. Era preciso sargentear, alfinetava Cotegipe!

Não obstante a cautela do escritor, a condição de homem de letras era seu “grilhão de ouro”, como diria Afrânio Peixoto. Jungido às duas condições, oferecia dois flancos aos ataques de adversários e desafetos. Puniam o deputado ao criticar o escritor; atingiam o escritor para ofender o político.

No retorno à Câmara, após deixar o ministério, José de Alencar lança-se em tenaz oposição ao governo e à Coroa, catalisada pelo ressentimento e a frustração. Opõe-se aos festejos comemorativos da vitória na guerra do Paraguai; à viagem do casal imperial ao exterior; e à regência da princesa Isabel que julga inconstitucional. Subvencionado pelo governo, o português José Feliciano de Castilho, que Alencar chamaria de “gralha imunda”, ataca-o pelo jornal na seção Questões do dia, de forma contundente. Em parceria com Franklin Távora, escreve as cartas de Semprônio e Cincinato, ficando a seu cargo a crítica política, e à Távora, a literária. A campanha comandada por Castilho tinha por objetivo “destruir o homem público e desmoralizar o escritor” (Luis Viana Filho).

Os ânimos andavam tão acirrados que uma crítica favorável ao romance Sonhos d’Ouro, escrito por José de Alencar em jornal ligado ao Partido Conservador do qual o autor era dissidente, gerou carta indignada do deputado Pinto de Campos ao Visconde do Rio Branco.

Alencar, por sua vez, encarregar-se-ia de ainda imbricar mais a literatura com a política, pois ao escrever o romance Guerra dos Mascates vinga-se dos adversários, sem excluir D.Pedro II, retratando-os em personagens identificáveis. É a vingança literária do político sobre seus inimigos.

Saldanha Marinho desacreditava fossem “os Lamabines talhados para a política”, ao se referir a Alencar; Machado de Assis julgava a política incompatível com ele, alma solitária. “Apesar dos percalços, agravamento da doença, ostracismo e isolamento político, decadência literária, não desertou da liça, pronunciando na Câmara alguns de seus melhores discursos, mesmo ferido pelo que chamou a conspiração da indiferença que tanto o magoava.”

São desse tempo desabafos que revelavam sua desolação e desencanto. Em carta ao irmão Leonel, dizia-se sem prestígio, um excomungado; do alto da tribuna afirmou: “Eu sou um lázaro político”, para queixar-se da solidão imposta pelos antigos companheiros de partido. Isolou-o, na expressão de Araripe Júnior, um de seus principais críticos, “a aristocracia do talento”. Sequioso de aplausos, sofria desenganado a provação do esquecimento, “o pior que pode experimentar o orgulho de um grande engenho: a indiferença pública, depois da aclamação pública”, nas palavras de seu grande amigo Machado de Assis.

Araripe Júnior, sobrinho e admirador desde criança, reconhece em José de Alencar duas paixões, a literatura e o amor próprio, duas forças, prossegue, capazes de criar os estadistas e os apóstolos. O escritor deixou-se dominar por essa última para subir as ínvias encostas da política, alimentado pela vaidade de se fazer reconhecer e respeitar, desapercebido dos óbices e resistências que estaria por enfrentar. O mesmo Araripe Júnior aponta graves perturbações surgidas na vida do artista provocadas pela política, que, exacerbadas pela exclusão do Senado, “desorientam seu espírito eminente”, atirando-o a uma oposição radical banhada de despeito e ressentimento. Daí em diante, suas obras, impregnadas dessa amargura invencível, decaem, são enxovalhadas pela crítica. O reflexo de sua alma ferida sem cura projeta-se no Gaúcho, Tronco do Ipê e Til, assumindo a máscara da sátira política em Guerra dos Mascates.

Taine é de opinião que a vida de todo artista se divide em dois períodos: ao primeiro pertencem as obras de verdadeira inspiração de originalidade; ao segundo, a repetição, as imitações, a cópia pálida de si mesmo. Fundamentam a critica os fatos fisiológicos que escusa reproduzir. A sensibilidade, matéria prima da inspiração, gasta-se pelo uso, decresce, afeta a criação, leva ao declínio do artista. Araripe Jr. não crê que já tivesse soado a hora de Alencar, antes, foram os desgostos da política que rebaixaram seus produtos literários. O mesmo, na opinião de Arthur Motta, teria se passado com Lamartine e Vitor Hugo, também atraídos pelo brilho enganoso da política.

O próprio Alencar confessa que a aspiração barrada pelo imperador “dá início a outra idade de autor, a qual chamou minha velhice literária, adotando o pseudônimo Sênio, e outros querem seja a da decrepitude”.

Como político, Alencar foi um eterno dissidente, entusiasmado em dizer coisas novas e atrair atenções, monarquista assumido, detestava o rei e a corte; conservador, liberal na política. Um espírito indomável, eterno rebelde, que nunca se acomodou nos escaninhos dos partidos bisonhos e das instituições obsoletas da época. Foi um desajustado político.

Descartados os elementos contingentes, aos quais é impossível esquivar-se, avulta da atuação política de José de Alencar o esforço de pensador político preocupado em reformar nossas instituições para modernizar o país e prepará-lo para o ansiado progresso. Ao lado de Assis Brasil e Gilberto Amado, formou o trio que mais se ocupou no 2º Reinado e na República Velha do tema da representação política.

Os princípios da representação proporcional, não suas instituições, foram pensados no Brasil precocemente. Francisco Belisário de Sousa registrou em seus estudos O sistema eleitoral no império (1872), um opúsculo publicado em Pernambuco em 1848 cujo autor, Ignácio de Barros Barreto já tratava do assunto. Todavia a matéria carecia de disciplina normativa que a institucionalizasse, lacuna observada mesmo na Inglaterra, a nação que mais avançara na matéria.

Segundo Wanderley Guilherme dos Santos, mesmo lá, não havia respostas precisas para perguntas sobre questões fundamentais, tais como:

Quem podia votar?

Quem poderia ser votado?

Como deveria ser supervisionada

a contagem dos votos?

Não havia acordo, mesmo sobre como traduzir número de votos em número de cadeiras parlamentares. A contribuição de Alencar para solucionar problema de magna importância para a democracia é original, pois sua primeira manifestação, em 1859, antecede os estudos de Stuart Mill e envolve meticulosa investigação comparativa com outros modelos propostos.

Wanderley Guilherme dos Santos destaca entre os vários escritos políticos de Alencar:

O sistema representativo (1868)

Reforma Eleitoral (1874)

Ao imperador. Cartas Políticas de Erasmo (1865)

Discursos (1869 e 1871)

A leitura de sua obra política permitiu ao mesmo autor concluir, em resumo, que o escritor cearense concentrou sua atenção em torno das seguintes proposições:

1 – quanto mais denso o mandato, mais democrático;

2 – quanto mais proporcional, mais democrático;

3 – quanto maior a participação eleitoral, maior a extensão em que o governo é de todos por todos;

4 – quanto mais obedecer à regra fundamental da não-tirania da maioria, e não-poder de veto da minoria, mais democrático;

5 – quanto menores o prazo e o escopo dos governos, mais democrático.

Para implementar estes princípios gerais, advogava o voto sem exclusão por motivo de renda ou instrução, admitido mesmo aos escravos; a qualificação eleitoral com expedição de títulos permanentes; a descentralização do poder; a adoção de um sistema capaz de assegurar representação à minoria.

Desejava um parlamento do país, e não da maioria, e um “governo de todos por todos e a independência de cada por si mesmo”.

Prega a necessidade de partidos nacionais, considera o voto direito e dever, denuncia “a burocracia que faz o gabinete; nela reside a soberania popular fraudada a nação”. Insurge-se contra a centralização do poder que concentra na capital a vida política do império. “Da periferia para o centro constitui-se no seu dizer uma cadeia de fuzis que prende o votante ao eleitor, o eleitor ao deputado, o deputado ao ministro e o ministro ao poder permanente. Cada um destes fuzis, se é o veículo de uma aspiração que sobe, é também, por sua vez, o condutor de uma centelha da vontade onipotente que se irradia por todo o país.”

Partidário da eleição indireta, efetivada em dois graus, com sufrágio universal, Alencar combatia o pleito direto, atraindo imprecações dos simpatizantes do voto direto que acusavam-no de reacionário, defensor dos poderosos e até de caduco. É então que enfrenta seus opositores, estabelecendo diferença na adesão das massas a uma idéia.

Para ele, “há popularidade e populacidade”. Popularidade é o sentimento real, ou o entusiasmo que uma ideia, ou homem, inspira ao pais. “Populacidade” é a voga que as cousas, as mais fúteis, não deixam de granjear muitas vezes do embaimento público.

A popularidade é uma força nacional que produz muito bem e muito mal, que faz revoluções; a “populacidade” é um prurido efêmero que, sem causa alguma e de repente, vai-se como vem. A popularidade é a opinião do país; a “populacidade” é apenas uma curiosidade pública.

A eleição direta tem por si a “populacidade e não a popularidade.”

No que tange à escravidão, Alencar batia-se contra a abolição pela forma direta mediante lei, acreditando que a evolução da economia nacional suprimiria naturalmente a odiosa instituição sem a desordem que temia a medida suscitasse. Votou contra a Lei do Ventre Livre, por acreditar que incorria em intolerável discriminação. A fazer-se uma lei para alforriar os escravos, que se fizesse de uma vez por todas.

Na sua breve permanência como titular da justiça, proibiu a comercialização pública de escravos, impedindo que se separassem filhos e esposos.

Nos debates sobre o elemento servil, assim se dizia, Alencar repudiava a escravidão, mas opunha-se à abolição instantânea pela via da lei. Ao discutir na Câmara a Lei do Ventre Livre fala de outras alforrias “que não seriam fatais, mas ao contrário, úteis e proveitosas para o país e pelas quais o governo devia empenhar-se de preferência à do ventre. Tais são a alforria do voto, cativo do governo; a alforria da justiça, cativa do arbítrio; a alforria do cidadão, cativo da Guarda Nacional e, finalmente, senhores, a alforria do país, cativo do absolutismo, cativo da prepotência do governo federal.”

Seja como for, sem embargo de que se examine sua posição em relação aos escravos, no âmbito do seu pensamento econômico, nunca se livraria do labéu de escravocrata.

Em José de Alencar, o escritor ofuscou o político. A glória do segundo seria tardia, e ainda assim divisada por poucos. Mérito do acadêmico Wanderley Guilherme de Sousa que o resgatou dos escombros da amnésia política para proclamá-lo “o mais radical e sofisticado pensador democrático do século dezenove”. Esteve à frente do pensamento do seu tempo, contra qualquer critério que exclua o cidadão da sociedade política. Enquanto na Europa o que se cogitava era substituir o voto censitário (pela estratificação de renda) pelo voto por critério de conhecimento (por grau de instrução). Em defesa de sua tese, afirma: “O cidadão é a partícula de soberania, é o voto.” E ainda na mesma toada: “Todo homem é pessoa”, diz o direito civil moderno; em breve lhe há de responder a ciência política: Todo homem é voto.

Alencar sempre demonstrara preocupação quanto ao julgamento após sua morte. Contou Taunay que a um amigo perguntara ele certa feita: “Você acha que passarei à posteridade? Não nutro essa segurança, e, no entanto, quanto alento me daria, no meio dos desconsolos que também me vêm do cultivo das letras.”

Não foi em vão que “cultivou o gérmen, deixado em seu ânimo pelo mestre dessa fértil ambição de correr após uma luz que nos foge” só alcançada após penosa jornada na glória literária e no reconhecimento tardio do político.

Em lugar da conspiração da indiferença, do silêncio e do despeito, que tanto o feria, consagrou-o a conspiração da posteridade.


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