segunda-feira, 7 de agosto de 2017

PEQUENAS LIVRARIAS VOLTAM A ABRIR PORTAS EM NOVA YORK


Um ditado favorito dos americanos para expressar ironia após triunfar sobre uma adversidade foi cunhado por Mark Twain: “Notícias da minha morte foram muito exageradas”, disse o autor de Huckleberry Finn, um humorista fino. Para os sofridos livreiros independentes, um pouco de triunfalismo será desculpado, neste ano em que o discurso público emanando de Washington reflete alergia a qualquer forma de prosa literária. Não é exagero: as livrarias independentes, além de não estar mortas, voltaram com força. Em 2009, havia 1.401 livrarias independentes nos Estados Unidos. Este ano, elas já somam 2.321. Nova York, onde caros aluguéis comerciais afugentam o varejo como não acontecia desde o crash de 2008, ganhou pelo menos cinco livrarias no último ano, como a aconchegante Books Are Magic, no Brooklyn. A livraria foi aberta em maio pela romancista Emma Straub, autora de Os Veranistas, que começou a escrever ficção enquanto trabalhava como vendedora na Book Court, no mesmo bairro. A Book Court fechou depois de 35 anos, em dezembro, porque o prédio foi vendido para um empreendimento imobiliário. O pesar entre leitores e escritores que lançavam seus livros na Book Court, como Junot Diaz e Don DeLillo, ilustrou como o papel das independentes cresceu com a debandada das cadeias sob o cerco da Amazon e do livro digital. 
O número de debates e eventos com autores em livrarias aumentou este ano, depois da vitória do presidente, que pede aos assessores relatórios de apenas uma página, de preferência com gráficos. E não é só por causa do renovado sucesso da ficção sobre distopias. Em cidades como Washington, Boston, São Francisco, Chicago e Nova York, é comum noites com mais de um autor debatendo temas além da literatura, como política de saúde e educação.
A explosão das cadeias dos anos 1990, como a Barnes & Noble, ainda sobrevivente da devastação digital do começo do milênio, colocou as independentes na defensiva, incapazes de competir com a venda de livros com desconto. Mas as cadeias de livrarias, além do assalto da Amazon, passaram a enfrentar outro fenômeno recente: a morte dos shoppings onde costumavam se instalar. É o que a mídia chama de “apocalipse do varejo”. Enquanto shoppings vão ficando desertos, a vida de pequenas cidades e subúrbios afluentes se volta ao comércio da rua principal e adjacências. É um estímulo à volta da livraria como ponto de encontro e conversa.
Há 20 anos, esta repórter estava filmando uma da melhores livrarias de ficção literária de Nova York, quando uma van despejou uma turma de alunos do segundo grau na Books & Company. O professor guiava a turma como se estivesse no Museu Metropolitan, destacando fotos de grandes romancistas nas paredes. Foi um momento doce e amargo. A sorte dela já estava selada pela alta exorbitante do aluguel do proprietário do prédio, o Museu Whitney. Mas os adolescentes percorreram com entusiasmo a livraria como a âncora de uma cultura literária pela qual estariam por se afeiçoar.
Novas pesquisas revelam que apenas 6% dos leitores de livros nos Estados Unidos consomem apenas livros digitais. A livraria física e os livros impressos continuam a atrair leitores de todas as idades. Para uma cidade de 8.5 milhões de habitantes, as cem livrarias independentes de Nova York não fazem frente à fartura de Paris. Mas a saúde das livrarias independentes mostra que é possível conviver com o e-livros sem abdicar dos prazeres do papel.

Fonte: Lúcia Guimarães. O Estado de S. Paulo (Domingo, 2 de julho de 2017)

POEMA ECOLÓGICO

Poema de Júlio Roberto, 1978, uma deliciosa lição-análise sobre este nosso cada vez mais agredido Ambiente, pela ganância ilimitada do mundo dos cifrões está a conduzir para a destruição.


“Amigo Chefe Seattle 
Li a tua carta escrita em 1854 ao grande Chefe Branco de Washington. 
Sou um homem de 1978 que vive, como tu previste, num mundo em decadência e destruição. Já não ouço o sussurrar do vento nem o diálogo nocturno das rãs nos charcos da selva. Já nem temos selva. 
As flores murcham, as árvores agonizam, os pássaros fogem e os insectos deixam de zumbir. Sei que sou um homem enjaulado numa cidade, enquanto outrora tu vivias nas pradarias, lá onde bisontes e búfalos te alimentavam o corpo e a alma. 
Os rios, para ti sagrados, são hoje para mim apenas uma miragem de infância. Neles, em vez de peixes a fazerem corridas e acrobacias, eu vejo o lixo da nossa civilização, os detritos deste mundo, as opulências mortas de uma humanidade que se afunda vertiginosamente na era do plástico. 
Olho para as estrelas e o luar. Parecem mais distantes do que são, e os meus olhos, desabituados já de os observar, cansam-se facilmente. Não tenho, como tu tinhas, esse poder de olhar de frente o sol, de receber – sem me cegar – a sua luz e o seu calor. 
As águias, vi uma ou outra, como se fossem já animais pré-históricos, aturdidos e se calhar confusos, sem perceberem o que fizemos desta Terra. 
E o mar, esse, sobretudo o que vinha dantes banhar as nossas praias e namorar a areia branca, vem agora sujá-las, com o lixo que lhe deitaram dentro. Tem um ar triste, de um mendigo que, às vezes, se revolta e destrói as grandes construções dos nossos engenheiros. 
Ah! Meu querido amigo selvagem! Como eu, que não vivi no teu tempo, nem nas tuas pradarias, tenho saudades da tua Terra sagrada! 
Sabes, agora temos frutos maiores, calibrados, estudados, enxertados, fertilizados e envenenados. Não sabem a nada, nem à frescura do néctar da flor que os gerou, nem ao perfume de que tu falas. 
A nossa sabedoria é outra. Transformámos tudo, progredimos, inventámos, criámos coisas que tu nem imaginas. Olha, substituímos o vento e o sol por uma coisa que se chama energia nuclear. 
Sabes, é que nós precisamos de mais energia. Criámos tantas coisas, somos seres tão exigentes, que a energia da Natureza não chega para os semideuses que nós somos.
Desviámos rios, irrigámos as terras, morreram muitos peixes, passámos fome; porém, temos coisas que tu nem sequer podias imaginar. 
Sabes o que é um arranha-céus com ar condicionado, elevadores que nos levam para cima e para baixo? Claro, não sabes. Tu não precisavas de morar para cima de ti próprio. Tinhas espaço e moravas para os lados. 
Nós vivemos a correr; tu contemplavas. Contentavas-te com pouco. Não admira, tu eras selvagem. Nós, não, temos necessidade de mais, cada vez mais, cada vez mais! 
É que nós não nos pertencemos. Pertencemos ao todo. Cada um é uma pequena peça que gira e roda sem saber porquê, e sem ter tempo para saber. 
Tu tinhas espaço, tinhas tempo e tinhas-te a ti. 
Como tu disseste, «Vocês morrerão afogados nos vossos próprios resíduos»”

Júlio Roberto (1929-2013) foi meu contemporâneo no Liceu. Na fase em que partilhei com ele e outros adolescentes com interesses intelectuais, ele era um curioso na biologia e na filosofia.
Professor, escritor, poeta, ecologista e editor (ITAU), foi conferencista em Portugal e no Estrangeiro, dissertando sobre a natureza, a qualidade de vida e o homem.
Convidado pelo Conselho da Europa para escrever um livro sobre os Direitos Humanos, aceitou o desafio, dando à estampa “Reconstruir o nosso mundo”, com ilustrações de Teresa Soller (ITAU, 1976), tido por um dos primeiros livros a alertar-nos para a destruição da biodiversidade pelo chamado progresso.
A. Galopim de Carvalho

Fonte: http://dererummundi.blogspot.com.br/2017/08/poema-ecologico.html