Passaportes e certidões de nascimento trazem
ressalva; bebês que nascem em países que exigem laços de sangue são considerados apátridas
Irina, que nasceu na Suíça e não é brasileira, com a mãe, Denise, e o irmão Yannik, brasileiros
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos nove anos, Irina pergunta à mãe, a paulistana Denise da Veiga Alves, 40, por que os irmãos Yannik, 14, e Aloysio, 2, são brasileiros e ela não. Pior. Nascida na Suíça, Irina não é oficialmente cidadã de nenhum país.
Como ela, outras 200 mil crianças em todo o mundo são hoje apátridas de ascendência brasileira.Uma emenda à Constituição, promulgada em 1994 no governo Itamar Franco, torna sem pátria filhos de casais brasileiros nascidos em alguns países, como Japão ou Portugal.O motivo: a partir dessa mudança, o Brasil adota primeiramente o "jus soli", princípio jurídico em que a nacionalidade é adquirida pelo local de nascimento. Brasileiro é quem nasce em território nacional.
Outros países, sobretudo os europeus, reconhecem o "jus sanguinis" (direito de sangue), a transmissão de nacionalidade pela ascendência. Pai ou mãe passam a cidadania aos filhos.Assim, surgem casos como o de Irina Ly da Veiga Alves. Ela nasceu em Genebra, em 1998, quatro anos depois da mudança constitucional. Como os pais são brasileiros e não têm cidadania suíça, Irina é apátrida. Já o seu irmão Yannik Vy-Dan Savelieff nasceu na mesma cidade em 1993 -antes da emenda- e é considerado brasileiro nato. O caçula, Aloysio da Veiga Alves, é de Brasília."É uma desigualdade dentro de casa. Para uma mãe, que teve os filhos saídos da mesma barriga, é inaceitável", diz Denise.
Passaporte provisórioResolução do Ministério da Justiça em conjunto com o Itamaraty concede passaporte e registro de nascimento a crianças no estrangeiro até completarem 18 anos. Mas o documento traz a seguinte ressalva: "A condição de brasileiro está sujeita à confirmação de dois eventos: residência no Brasil e opção pela nacionalidade brasileira perante juiz federal".O processo, reclamam os pais, é oneroso e demorado (em São Paulo levaria sete anos, diz a OAB).
Além disso, a maioria não quer abrir mão da vida que leva no exterior ou não pode sair do país estrangeiro porque vive ali ilegalmente.Uma proposta de emenda constitucional para conceder cidadania brasileira a crianças nascidas nessa situação foi aprovada no Senado há sete anos, mas tramita lentamente na Câmara.
Uma comissão especial foi criada para analisar a mudança que, na promessa dos deputados, deve ser promulgada ainda neste ano. "Temos um sentimento de origem muito forte. É uma situação precária e injusta", diz Rita Camata (PMDB-ES), relatora da comissão."Só soube dessa situação há dois meses, quando estive em Genebra", afirma o presidente da comissão especial da Câmara, Carlito Merss (PT-SC).
Pais costumam demorar para perceber situação problemática
Quando recebeu o convite para trabalhar em Lisboa há dois anos e meio, o casal Patrícia Vasconcelos Torres, 30, e Carlos Eugênio Torres, 26, não imaginava os problemas que teria para (não) registrar o filho que viria a nascer em Portugal. Hoje com 19 meses, o bebê Carlos Eduardo não tem certidão de nascimento.
Em Lisboa, o consulado brasileiro emitiu um registro com a ressalva de que a nacionalidade está sujeita à residência no Brasil e à ação na Justiça Federal. O governo português concede apenas um boletim, um documento meramente comprobatório de lugar de nascimento, sem valor jurídico.De passagem pelo Brasil em janeiro deste ano, o casal tentou, em vão, validar em um cartório de Fortaleza a certidão. Em nota, o cartório João de Deus diz que "não pode transcrever o documento sem determinação judicial".
Na prática, o apátrida não tem direitos e não é reconhecido nem amparado pelo Estado. Sem certidão de nascimento, não pode ter RG, não vota, não serve ao Exército, não vai à escola pública e provavelmente não conseguirá um emprego.Há 16 anos no Japão, Carmen Lúcia Tsuhako, 37, tem dois filhos sem cidadania brasileira, Isabela, 12, e Hiroshi, 5. "Demoramos anos para perceber em que situação nossos filhos se encontravam", diz a mãe.
Na Palestina há dez anos, Yusra Sayej, 36, de Pindamonhangaba (SP), vive situação parecida. Os filhos Maria, 3, e os gêmeos Jorge e John, de 22 meses, têm registros provisórios emitidos pelo representante diplomático em Ramallah."É revoltante. Sou brasileira e meus filhos não são? O que é isso? ", pergunta.Hoje na Austrália, os filhos de Ana Lúcia Pereira de Siqueira, Alícia, 5, e Dilan, 3, nasceram na Alemanha. O pai alemão lhes transmitiu cidadania daquele país, mas os meninos não são brasileiros.
Dos dois filhos da paulistana Helena Americano Fragman, 44 anos, há 19 anos em Rosh Ha'ayin (Israel), apenas o mais velho, de 14 anos, é brasileiro nato. Nascido em Israel antes da mudança na Constituição, Amir Fragman não entende o porquê de o irmão, Uri Fragman, não ter cidadania."São todos brasileiros de coração e alma, mas não têm documentos", diz Helena.Algumas nações, como Israel, concedem ajuda humanitária a pessoas nessa condição. Mas a mobilidade é restrita. Não podem, por exemplo, entrar nas Forças Armadas, uma das principais fontes de renda para jovens daquele país.
Movimento - Um movimento nascido na Suíça pressiona o Congresso a aprovar uma emenda à Constituição que devolva a condição de nacionalidade nata às crianças de ascendência brasileira no exterior. Protestos em frente às embaixadas brasileiras nos países com maior contingente de imigrantes estão previstos para os dias 1º e 2 de junho para cobrar agilidade na votação.
Curiosamente, brasileiros refugiados e exilados durante a época da ditadura tinham garantida a nacionalidade aos seus filhos, mesmo banidos do país pelos militares.Hoje, muitos deles estão no governo e têm filhos brasileiros nascidos no Chile ou na Europa. É o caso do governador paulista, José Serra."Os estrangeiros nascidos no Brasil adquirem automaticamente a nacionalidade brasileira. É absurdo, então, tirar a nacionalidade dos filhos dos emigrantes por nascerem no exterior", diz Rui Martins, responsável pelo organização Brasileirinhos Apátridas na Suíça. (VQG)
Situação iguala Brasil a países em guerra
A situação de filhos de casais brasileiros nascidos no exterior que são apátridas iguala o país a zonas de conflito e de guerras permanentes, como o triângulo Índia-Caxemira-Paquistão ou Rússia-Tchetchênia, segundo especialistas.
O cenário intrigou juristas de direito constitucional, que disseram à reportagem desconhecer a brecha legal.Para Dalmo de Abreu Dallari, advogado e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, "é absurdo obrigar um brasileiro a ir ao Judiciário para ser cidadão". "A Justiça existe para julgar conflitos. Não existe parte contrária. Não há conflito de interesses", avalia.
Membro da comissão de direito internacional da OAB, Eduardo Tess Filho se disse surpreso e afirmou desconhecer a situação."Deveria ser uma questão simples de registrar no setor consular", diz ele.Hoje, a ONU concede um passaporte amarelo a que é apátrida. (VQG)
Itamaraty vê cidadania condicionada
Para o Ministério das Relações Exteriores, crianças de ascendência brasileira nascidas no estrangeiro são consideradas "cidadãs condicionadas", mas não apátridas.A condição, expressa nos registros de nascimento e nos passaportes: fixar residência no Brasil e entrar com processo na Justiça Federal.
O Itamaraty diz reconhecer que filhos de brasileiros nascidos no exterior não são "cidadãos plenos". Sem decisão judicial, os pais não conseguem registrar certidão de nascimento em cartórios brasileiros. Sem ela, não se pode obter o RG e, no futuro, CPF ou título eleitoral.Como a mudança constitucional passou a vigorar em 1994, e as crianças estão amparadas por passaportes provisórios, os primeiros apátridas de pais brasileiros, diz o Itamaraty, surgirão em 2012 -proposta de emenda constitucional tramita no Congresso para evitar isso com filhos de brasileiros.
Um comentário:
Conforme o artigo da Folha de São Paulo:
Situação iguala Brasil a países em guerra
"é absurdo obrigar um brasileiro a ir ao Judiciário para ser cidadão"
Tem sido inteiramente lamentável, o que se passa com o meu filho.
Diz a Polícia Federal que êle estando em solo Brasileiro, tem de ser Brasileiro por ser meu filho ,apesar de filho de pai Português e nascido em Portugal.
Eu nasci aqui, sou Brasileira, mas sou naturalizada Portuguesa também, vivi 40 anos em Portugal
Diga-se de passagem que eu viajava muito, e estive em vias de ser extraditada e ter que deixar meu filho em Portugal, optando portanto na altura, por ser Portuguesa.
Naquela época, eu que tinha todos os direitos com os portugueses, inclusive políticos, mas nosso BI em conformidade deixou de ser válido e passamos novamente à autorização de residência.
Os arquivos, com processos de 1967, como no meu caso, a Pide no 25 de Abril destruiu tudo, e fui aconselhada a naturalizar-me por casamento.
Um ex(?) deputado amigo nosso, Antonio Anselmo Aníbal, ficou pasmo.
Já lá vão muitos anos, resolvemos o assunto, continuei minhas viagens com meu filhote, que era isto que precisavamos fazer em paz, e pronto.
E hoje posso dizer sem sombras de dúvidas, que amo de paixão Portugal.
Identifico-me e estou em minha casa quando aqui, e amo o solo Brasileiro.
Meu filho é um entusiasta em relação ao Brasil, gosta, admira, defende-o das piadas e das críticas, mas é atacado, criticado e ouve com consternação, as piadas de Portugueses...
Meu marido, Português apenas, desistiu do Brasil e voltou para Portugal.
Estamos, meu filho e eu a aguardar que ele faça este ano o vestibular ( se não chocar-se com a burocracia dos papeis) para retornarmos, apesar de que pelo meu filho, ficaríamos por cá!
Êle nasceu em Dezembro 1990, em Lisboa, foi registrado no Consulado Brasileiro em 1991, já obteve dois passaportes emitidos lá, onde consta:
"Brasileiro Nato, segundo o artigo 12, inciso |, letra C, primeira parte da Constituição Federal"
E um terceiro aqui em Fortaleza...
OK .No Brasil êle é, ou deveria ser Brasileiro.
Mas e como fazer a transcrição do regitro de nascimento dele para o 1º Cartorio para tirar a identidade ?!
advogados, tribunal, vigarices, extorsão, desinformação...
Já dei entrada em um processo, mas foi em Aquiraz, foi uma confusão, porque foi junto ao pedido de transcrição do meu casamento, estavamos completamente desavisados e à deriva, à mercê de vigaristas, portanto, apenas a transcrição do casamento foi possível.
Menos mal. Um pequeno progresso.
Na Justiça Federal, fui informada que poderia ir directamente ao cartório, com o registo de nascimento emitido no Consulado Brasileiro e fazer a trancrição.
Do Cartório, o tabelião disse que foi mandado pelo Juiz de só receber estes regsitros, depois de dar entrada em um processo e ser autorizado pelo tribunal.
Da Justiça Federal insistem que eu poderia por um processo contra o tabelião, mas que isto não adiantaraia de nada para fazer a transcrição com alguma urgência que já vou tendo.
Nos intervalos esmoreço e tento não pensar no assunto.
Como eu tenho insistido em relação a advogados,
que não posso pagar,
que não quero pagar,
e que acho tudo isto completa e totalmente discriminatório,
da Justiça Federal indicam-me ir à sala de advogados dativos que, para meu espanto, ha já quase dois anos a resposta é a mesma:
Só há lá uma advogada que pode tratar de casos destes.
E é paga.
Pela segunda vez consecutiva falei com ela, ( e alguns outros pelo caminho ) mas depois de muito, muito indagar e procurar na net respostas estou sem saber o que fazer.
Ela não me reconheceu, e eu aleguei que quero apenas poder fazer a transcrição, sem que conste no processo nenhumas restrições ou insinuações de opções quanto à nacionalidade, passadas, presentes, futuras ou em tempo algum.
Brasileiro Nato, como todos os outros, conforme carimbado nos passaportes dele, sem condicionamentos e conforme muitas informações em sites, inclusive o da Justiça Federal.
Ainda argumentei brincando: "e se êle quiser vir a ser Presidente da República Federativa do Brasil mais tarde, é garantido?"
A advogada perdeu-se, pediu-me que fosse lá falar pessoalmente com ela, que claro, não fui.
Com a "Presidência do Brasil" os honorários desta advogada dativa vão aumentar, não é mesmo?
E ainda assim, não ficam garantidas certezas quanto as minhas solicitações ao juiz!
Uma coisa positiva aconteceu no entanto:
Descubrir o site dos Brasileirinhos Apatridas,
e descubri então que aqui tão próximo, alguém como o nosso, infelizmente agora, ex-governador, foi e é um defensor destas causas!
Gostaria de usar palavras de elogio, de simpatia e de agradecimento ao ficar sabendo da actuação extremamente importante e solidária do Dr. Lúcio Alcântara.
Mas vou mencionar apenas o consôlo enorme que esta sua actuação causou-me!
Existe alguém, uma pessoa, em quem,
finalmente,
eu posso confiar!
Estava para colocar este mail no blog mas estendeu-se muito, pelo que peço desculpas por uma exposição tão longa.
Um autêntico desabafo...
Depois de muitas incertezas, venho por este meio perguntar-lhe:
1 -Terei mesmo que constituir um advogado?
2 - Poderei de facto pensar que , no caso do meu filho, êle não precise fazer a opção de nacionalidade e insistir neste ponto de vista?
Graças a Deus não faço estas perguntas por medo de que ele possa vir a ser um apátrida.
Este meu ponto de vista é por se tratar de meu filho.
Tenho vontade de processar a União quando vejo na TV as variadas campanhas chamando a população, os Brasileiros Natos, para tirar a identidade, versus o que tenho enfrentado para consegui-la para meu filho.
Tenho ganas de sair gritando ao mundo a posição discriminatória ou apenas farsante do Brasil.
Claro está, identifiquei-me com o movimento dos Brasileirinhos Apátridas.
Entendo esta questão da nacionalidade, seríssima e gravíssima.
Muito agradeço a sua atenção e a possibilidade de uma resposta para as minhas duas perguntas acima.
Deixando expressa a minha admiração pelo Sr. Dr. Lucio Alcântara e Sra . D. Beatriz Alcântara,
Os meus mais sinceros cumprimentos
Marcia Beatriz Coelho da Silva Torre do Vale
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