quinta-feira, 26 de abril de 2007

Vida & Arte - Contrastes da memória

Entrevista ao Jornal O Povo - Caderno Vida & Arte (Foto: Evilázio Bezerra)

O ex-governador Lúcio Alcântara lança, hoje à noite, o livro-poema O rio da minha infância, pelo selo próprio Labirinto. Em entrevista, por email, Lúcio fala de poesia, livros e nas entrelinhas, de política



Lúcio Alcântara, o político, é um homem do consenso e do silêncio. Consegue calar quando todos esperam a resposta, a polêmica, o confronto. Mergulhado em si mesmo, voltado para a infância, tornou-se poeta, embora negue de pronto o título. "No máximo, escreve textos poéticos", aponta. A indisciplina confessa com o gênero, porém, não impediu o ex-governador de compor versos e transformá-los no livro poema que será lançado hoje à noite no Ideal Clube, O rio da minha vida. A estréia na poesia se deu com o livro A casa da minha avó. Nos dois, a memória da infância é latente. O sabor dos "biscoistos de madeilenes" invoca o menino de São Gonçalo, o lugar de nascença e da criancice, a mobília de casa e das redondezas. Na entrevista a seguir, Lúcio, conversa por email, com a discrição e poucas palavras que marcam sua história, dos livros, dos autores, da literatura. E, nas entrelinhas, os silêncios das respostas contidas




O Povo - No novo livro do Alberto Manguel (A Biblioteca à Noite), ele narra sobre o que vê na sua biblioteca à noite, construída numa espécie de castelo abandonado numa aldeia francesa. Como sei que o senhor tem uma bela biblioteca particular, queria então saber, como o senhor passeia por ela. Que memória o senhor guarda da sua construção. Que livros lhe são mais caros?

Lúcio Alcântara - A biblioteca é minha toca onde nada me atinge. A leitura ou fato de olhar, manusear os livros, me causam enorme bem estar. É uma blindagem contra tudo que me preocupa ou aborrece. Como diz Ina D. Coolbrith no poema “Na Biblioteca” – “aqui estão os amigos que nunca traem, o companheirismo que nunca se cansa”. Minha biblioteca é muito eclética, mas me agradam sobretudo os que herdei de meu Pai, os que tratam de alguma forma da relação medicina/literatura/ arte e os livros sobre livros. Ali também, “entre os livros da minha biblioteca há alguns que já não tornarei a abrir”, Borges, no poema “Limites”.

O Povo - Como o senhor começou a ser leitor? E que livros marcaram sua vida de forma definitiva?

Lúcio Alcântara - Comecei pela biblioteca do meu Pai, passava horas lá. Foi quando li Machado de Assis, José de Alencar, Cronin, “As Memórias de Casanova” , e o “Tesouro da Juventude” entre outros livros. Era o tempo das coleções da Jackson e da José Olympio. De Machado li os 31 volumes da coleção. Muita coisa não guardei, mas acho que devo a essas leituras poder ler e escrever razoavelmente mesmo sem lembrar as regras da gramática. Surgiu daí meu gosto pela leitura e os livros. É difícil falar de livros que me marcaram, mas citaria entre muitos: “Cazuza”; “Os Meninos da Rua Paulo”; “Angústia”; “O Tempo e o Vento”; “A Pele”; “A Tragédia do Homem”; “Lições de Abismo”; “O Arco do Triunfo”; a obra de José Lins do Rego e os cânones da Literatura Universal que consegui ler.


O Povo - Quando o senhor descobriu-se poeta? Quais os poetas que têm sido seus companheiros de vida?

Lúcio Alcântara - Não me considero poeta. Não tenho dimensão para tanto. No máximo escrevo alguns textos poéticos. Coisa recente, de uns oito anos para cá. É a lira tardia que só vai para o papel quando já não posso conte-la dentro de mim. A poesia é minha companheira esporádica. Leio-a de forma indisciplinada, sem nenhum planejamento.


O Povo -
No seu primeiro livro-poema (A Casa da Minhã Avó) são as imagens da infância que “pendem” nos versos. Estão nos objetos as lembranças que compõem o poema. No segundo livro, este que será lançado agora, mais uma vez o senhor percorre o rio da infância e navega pelo “contraste de lembranças”. Por que a infância se tornou tão presente agora, quando o senhor decidiu-se pela poesia? E como imagens e palavras vão se juntando ao longo do livro?

Lúcio Alcântara - Falo da minha infância porque ela foi feliz. E como disse Erico Veríssimo, ninguém se livra do menino que foi. O paradoxo das imagens corresponde à variação caudal dos rios nordestinos e as distintas visões da criança e do adulto. O que era longo, hoje é curto, o que foi largo, agora é estreito e assim por diante. A fusão de imagens e palavras corresponde a um projeto gráfico desenvolvido fotograficamente por minha sobrinha Joana a partir do meu texto. “O Rio da Minha Infância” é o segundo produto da dupla.


O Povo - Literatura e política são duas artes. O senhor lida com as duas. Onde está a interseção delas na sua vida?

Lúcio Alcântara - A Literatura para mim é fundamental pois sobre ela tenho autonomia. Isto é, leio o que, e quando quero. Escrevo se estou inspirado. Já a política...depende de muitas circunstâncias e vontades, é exigente e confortadora porque nos permite contribuir para o bem comum, sendo, não raro, ingrata. Da harmonia entre as duas, tiro meu equilíbrio mental.

O Povo - A literatura e a política são construídas por meio de personagens. No caso da literatura, alguns deles parecem saltar da página para a realidade. No caso da política, algumas vezes de tão inverossímeis, parecem ficção. Que personagens na política mais lhe surpreenderam?

Lúcio Alcântara - Toda proximidade surpreende. Não há ídolos vistos de perto.

O Povo - O tempo não foi dos mais fáceis durante o seu último mandato como governador. Que livros o senhor leu nesse período? E durante o processo eleitoral, quando a tempestade chegou, qual ou quais autores estavam na sua cabeceira?

Lúcio Alcântara - Li pouco durante meu governo. Sobrava pouco tempo para o lazer. Gosto muito de livros policial com certo requinte dos personagens e do ambiente onde se desenrola a trama. Aprecio, sobretudo, os autores ingleses mestres no gênero. No governo como na campanha fizeram-me excelente companhia.


O Povo - “Cruzar a passo a vida é o heroísmo de uma existência”, diz um dos versos do livro “O Rio da minha infância”. Que ocasião da sua vida política o senhor sentiu que “cruzava a passo a vida”?

Lúcio Alcântara - Acho que viver é sempre um ato de heroísmo por mais simples ou exitosa seja a vida da pessoa. Afinal disse o poeta Manuel Bandeira “que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu”.

O Povo - Na apresentação do seu primeiro livro de poesia, o senhor fala de sonhos. O livro inteiro parece que é um sonho que lhe desperta as lembranças. Ou a saudade que ocupa o lugar das madeleines. Nesse último livro, o senhor torna a falar do lugar onde deixou seus sonhos de menino. Quais sonhos o senhor tem agora para a política e para a literatura?

Lúcio Alcântara - Se for verdade que o passado nunca termina de ser construído, vou continuar a trabalhá-lo. Quanto aos sonhos, na Literatura, é ler o mais que puder. Na política, é operar e esperar.



SERVIÇO O rio da minha infância. Será lançado hoje, 26, a partir das 20h, no Ideal Clube. O livro vai custar R$ 15 e o dinheiro será destinado à causa social .

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostaria de uma mensagem do escritor e leitor para os alunos do grupo Confraria de Leituras, de Maracanaú.O projeto motiva a leitura há 11 anos.

Prof. João Teles de Aguiar
coreausiara@bol.com.br