domingo, 10 de julho de 2011

Musa

Escherichia coli é o nome da bactéria que a partir de brotos de feijões contaminados cultivados em uma determinada região da Alemanha causou um surto de diarreia com graves complicações renais e alguns óbitos.

Até se descobrir a fonte de contágio os serviços alemães de epidemiologia incorreram em equívocos que resultaram em sérios prejuizos financeiros para agricultores europeus.

Pois esta bactéria, de súbita notoriedade, que ceifou vidas e patrimônios na civilizada Europa, um dia foi musa, insólita, é verdade, do escritor português Vitorino Nemésio (1901-1978) conforme está em três dos poemas de sua última fase no livro Limite de Idade.

Com a saúde precária, acometido de achaques, fragilizado em sua humana condição, Vitorino Nemésio mistura em sua poética termos médicos, inquietações metafísicas e a literatura em geral.

E.coli é a feminil bactéria convertida em musa enquanto Beatriz (a de Dante), Daisy ( a de Pessoa, no Soneto já Antigo, de Álvaro de Campos) e Dolly (uma amiga de Nemésio) seriam no dizer de Vasco Graça Moura como as três Graças.

O primeiro desses poemas é um tríptico de nome Escherichia onde há passagens assim :
Escherichia ou Beatriz, que importa o nome/.../A prometida morte nos consome, acrescentando
Assim, tu Escherichia és meu tormento/E noturno . Beatriz funérea ! / Quem nasceu para casto fingimento / Afinal pode amar uma bactéria.

E ainda, na terceira parte lemos : ...feminil bactéria / Por ela todo estremeço / Em suor e ácido úrico.

Noutro poema, Tubo de Ensaio, patético, canta : Eu, que por causa da Escherichia coli, / Quase não sei (como se diz ? ) - meiar... A poesia é um louco laboratório, / E eu dispo a bata para não chorar.

No caso do poeta o mais provável é que seu tormento lírico, provocado pela  bactéria/musa, fosse uma perniciosa infecção urinária.

Como se vê a inspiração que move os poetas não escolhe objeto, anda por aí a espreita de uma alma sensível que a capture.

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