quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Do blog De Rerum Natura



Ando a ler, ao mesmo tempo que o novo romance de António Lobo Antunes ("Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?, Dom Quixote), o livro, também recente, de entrevistas que ele deu ao jornalista João Céu e Silva ("Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes", Porto Editora). Porque ele refere a ciência quando é inquirido sobre religião, não resisto a transcrever as suas respostas dadas nas ps. 29-30 às questões sobre Deus:


"- A propósito do rezar de Orson Welles, qual é a sua posição sobre a religião?

- Há um velho provérbio húngaro que diz: "Na cova do lobo não há ateus." Eu julgo que não existe quem não acredite, porque o Nada não existe na Física ou na Biologia e quando se lêem os grandes físicos - Einstein, Max Planck e por aí fora -, vê-se que eram homens profundamente crentes. Chegaram a Deus através da Física e da Matemática e falavam de Deus de uma maneira fascinante. A minha relação é a de um espírito naturalmente religioso - e cada vez mais -, embora não no sentido desta ou daquela Igreja mas naquele que me parece que a ideia de Deus é óbvia. Cada vez o é mais para mim.


- Porquê?

- É um bocado como quando o Einstein - lá estou eu a citar outra vez! - diz que "Deus não joga aos dados"... É claro que eu me zango com Deus, é uma relação de zanga também porque Ele permite sofrimento, mas talvez os seus desígnios tenham tal profundezas que não consigo atingir. O sofrimento sempre me foi incompreensível e acho que, como disse há pouco, nascemos para a alegria. A minha atitude em relação à religião é essa e não estou a falar de Igrejas mas de Deus. Não acredito quando as pessoas me dizem que são agnósticas ou ateias! Não acredita nisso, não estou a dizer que a pessoa não esteja a ser sincera, mas dentro dela, em qualquer ponto, há algo. Uma vez perguntaram ao Hemingway se ele acreditava em Deus e a resposta foi: "Às vezes, à noite".


- E o António, à noite, também acredita?

- Acredito sempre, mas zango-me muitas vezes. Eu julgo que o próprio da fé é a dúvida, o questioná-la constantemente, e muitas vezes pergunto-me se existe. É óbvio que sim."

Um comentário:

Célio Ferreira Facó disse...

Infelizmente, pode-se retorquir fácil a tudo isto.

A "cova do lobo" não raro viu a resistência serena de muitos ateus e agnósticos. Não consta que a adversidade tenha demovido da dúvida ou da descrença Voltaire, por exemplo. Até Jesus Cristo, pregado à cruz, questionou a Deus: “Pai, por que me abandonaste?”

O “Nada” é apenas uma palavra da língua comum inventada para designar a ausência de coisas concretas; há muito descobriu-se que há ar e partículas atômicas onde os olhos nada vêem.

É claro que a idéia de Deus em Einstein, por exemplo, não será a mesma da de um verdureiro.

Também é falso dizer que a idéia de Deus é óbvia. Se o fosse não suscitaria tantas disputas e tão variadas em todo o mundo.


Se disse Einstein que "Deus não joga aos dados", mas é certo que a natureza o faz por toda a parte.

Infinitos processos vitais, como o crescimento dos galhos de uma planta ou a definição do epicentro de um terremoto dão-se sem nenhum planejamento, só pela ação das circunstâncias presentes.

O mal e o sofrimento não são argumentos a favor da existência de Deus. O que é mal para um pode ser perfeitamente ótimo para outro.