terça-feira, 18 de março de 2008

Leitura


A escritora americana Elizabeth Hardwick, uma das fundadoras da revista New York Review of Books, falecida em 2 de dezembro do ano passado, considerava a paixão pela leitura a maior dádiva que alguém possa receber.

É dela o texto: "ler é barato, consola, distrai, excita, amplia conhecimentos, compartilha experiências, é uma iluminação moral."

3 comentários:

Célio Ferreira Facó disse...

Quis aproveitar a oportunidade para falar de alguns livros de leitura capital. Há tanto que ler, desde que se inventou a escrita. Não cessa de crescer a torre de livros fundamentais, mesmo se desprezarmos os que se publicam por simples ociosidade, vaidade. Eles regulam-nos toda a vida. A Constituição é um livro. O Código de Direito Civil é um livro. A Bíblia é um livro. Quase cada aspecto da vida social, política, cultural de cada um está codificado em livro. E há os que se passaram ao patrimônio comum de toda a humanidade, de todas as épocas. São assim os de Cervantes, Shakespeare, Thomas Morus, Camões, Virgílio, Dante de Alighiere, Goethe, Maquiavel, Marx (que era muito mais que simples marxista), Gramsci, Machado de Assis (este portento de narrativa e superação de toda a dificuldade). Há os mais recentes, quase obrigatórios: Elias Canetti, Robert Musil, Umberto Eco. A lista indefinida, quase infinita.

Célio Ferreira Facó disse...

Espanta-nos até hoje relembrar as palavras do bárbaro a ordenar o incêndio da maravilhosa biblioteca de Alexandria: “Se estão aí livros contra o Alcorão, são hereges, devem ser queimados; se apenas repetem as palavras do Profeta, são ociosos, também devem ser queimados”. De Jorge Luís Borges ocorreu-me de concluir, há alguns anos, o exame de sua obra completa. Quatro volumes. É certamente obra que reler muitas vezes – tanto o saber, as impressões ali reunidos. Suas palavras, seu estilo parecem compor-se numa voz que nos falasse desde sempre, vinda do vórtice do tempo, do deserto, de todos os lugares. Impressionam-nos a inquietação filosófica, o amor da história, a preocupação com a técnica narrativa, o ritmo originalíssimo. Muitos contos, poesias compôs cujo tema é a busca do protagonista pela síntese, isto é, o texto, a palavra capaz de tudo dizer sem que se lhe tenha de acrescentar nunca nenhuma explicação. Recorrentes as imagens do espelho, que lhe parecia terrível, enigmático, emblema da própria arte. E do labirinto. Numa de suas primeiras composições, vê-o Borges na pele listrada dos tigres e no caminho que traça a fera, debatendo-se pela própria liberdade.

Célio Ferreira Facó disse...

Crítica literária. Quem lê O Homem Sem Qualidades não pode deixar de impressionar-se pela narrativa caudal, majestosa e serena de Robert Musil. Faz excelente romance com o melhor da técnica de narrar, servido pelas descobertas da psicanálise (novíssima no início do século XX, onde quis situar a trama), a historiografia, as ciências da natureza, a meteorologia, a física. O protagonista é Ulrich, espírito forte, talento invulgar, em busca de afirmação pessoal, não sem suficiente preocupação política, social. Uma e outra ele busca exercer primeiro na vida militar, a qual deve abandonar depois de pálidas aventuras amorosas. Depois na engenharia, como recurso máximo da civilização dos transportes e da revolução industrial (a civilização das máquinas e da produção em série chega ao impasse da autodestruição). Por fim na matemática, ciência capital da filosofia. Estas últimas deve, por fim, também deixar, interrompido pelas vicissitudes da Guerra, que se avizinha na velha Europa, e os infortúnios pessoais. “O homem propõe, Deus, quer dizer, o Destino ou as circunstâncias dispõem implacáveis.” Fracassos, abandonos de Ulrich reflexivos das próprias dificuldades da Europa e da civilização ontem e sempre: o militarismo destruidor, exacerbado pelo patriotismo xenófobo; as ciências práticas, ancilares da vida urbana e, contudo, mal exercidas, pouco conhecidas da maioria; a ciência da matemática, pura e, contudo, incompleta, insuficiente. Eis aí um esplêndido mosaico da Europa e dos sonhos humanos que a Guerra destruirá antes de qualquer solução definitiva.