domingo, 27 de janeiro de 2013

Poesia

Atlantico foi uma revista editada em Lisboa nascida de uma parceria entre o SNI (Secretariado Nacional da Informação), dirigido por Antonio Ferro e o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) sob a chefia de Lourival Fontes.

Era um vínculo que se estabelecia entre o Estado Novo, de lá e de cá, no bojo de um acordo cultural celebrado entre os dois paises sob a égide de Salazar e Getúlio.

Não obstante a inspiração dos dois regimes o periódico publicou excelentes textos da autoria de intelectuais e literatos brasileiros e portugueses e até de outros paises lusófonos.

Do nº 2 da nova série da mencionada revista reproduzo um poema de um poeta de Cabo Verde.

Para todos que, como eu, guardam a nostalgia de viagens que nunca chegamos a fazer e das que empreendemos sem que saissemos de onde estávamos.

Viagens

Lembro as viagens que eu fazia nos paquetes da Blue Star
quando escalavam o porto da Ilha de São Vicente.
Essas viagens não passavam nunca do cais
mas punham um alvoroço bem grande no meu coração...
Ora segua para a Europa, para Hamburgo, Paris, Londres
ora para Cuba, México, Argentina...
Mas para o Rio de Janeiro é que ia sempre de preferência
por causa do Cristo que esperava no Corcovado
e ali ainda me espera inutilmente
de braços abertos para minha recepção na terra amável

Era sempre à tarde quando eu ia passear para o cais
(todas as partidas devem ser à tarde
porque depressa se apaga dos olhos a terra que ficou atrás..)
O bote estava mesmo encostado à escada para me levar
e eu começava a descer o primeiro degrau...
Mas eu retrocedia logo porque era então queme lembrava
de que no dia seguinte tinha que por a assinatura
no livro de ponto da repartição...

Foi afinal o livro do ponto
onde todos os dias eu deixava melancolicamente
a minha assinatura e a minha renúncia,
que fez com que todas as minhas viagens
não passassem nunca do cais da Ilha de São Vicente..

 Ilha do Sal, CaboVerde
Jorge Barbosa

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