Comecemos por desejar toda sorte do mundo ao ex-presidente Lula. Quem já passou por essa doença desgraçada sabe como o momento é difícil, mesmo paras os mais fortes. A pessoa precisa se concentrar no tratamento, entender que essa é sua prioridade, mas também não pode ficar inteiramente nisso. Precisa tocar a vida no tempo possível. Lula começou bem, naquele seu estilo positivo. Força!
Não vamos, portanto, personalizar a questão. É errado fazer isso. Mas há na praça um tema político, social e econômico, do qual já tratamos algumas vezes nesta coluna, e que merece a atenção de todos.
Vamos falar francamente: em um país que mantém um sistema público de saúde, universal, administrado diretamente pelo governo, é no mínimo embaraçoso que as autoridades da República, sem exceção, busquem tratamento na rede privada.
Não há crime, não é ilegal nem anti-ético em muitos casos - como das autoridades que pagam seus próprios planos de saúde. Mas há situações mais complexas. O Congresso Nacional fornece assistência médica praticamente irrestrita a deputados e senadores e, em muitos casos, a seus familiares. Parlamentares são tratados nos melhores hospitais privados, não raro no exterior, tudo por conta da casa - quer dizer, dos contribuintes.
Funcionários do Legislativo federal têm planos de saúde, como muitos outros colegas. O pessoal do Ministério da Saúde também não se trata no SUS, mas na rede provida por um convênio particular. Militares vão aos hospitais das Forças Armadas.
Resumindo: autoridades e funcionários de um determinado escalão para cima não vão ao SUS. Cuidam-se (e de seus familiares) nas redes privadas, com pagamento total ou subsídio do setor público. De novo, não é ilegal.
O sistema de saúde definido na Constituição brasileira é misto. O básico é o público, universal e gratuito, baseado no princípio: saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Subsidiariamente, os constituintes admitiram um sistema privado, como acessório. E foi por pouco.
Havia um forte viés estatizante entre os constituintes de 88. A tendência era de se eliminar o sistema privado, de tal modo que todos hospitais e clínicas passariam ao controle público. Depois, diante do óbvio exagero dessa proposta - e de seu custo, pois seria preciso pagar indenizações para estatizar - passou-se a admitir que a rede privada então existente poderia continuar, mas sem expansão. Após muita negociação saiu o texto que consagra o SUS, mas aceita um sistema privado acessório e, de algum modo, controlado e supervisionado pelo Estado.
Hoje, esse sistema "acessório" atende quase 50 milhões de brasileiros, na maioria por meio dos planos e seguros de saúde. Mais do que isso. Como demonstram pesquisas feitas com as novas classes médias, um dos sonhos dessas famílias emergentes é justamente poder pagar o plano de saúde para escapar do SUS. (E também uma escola particular).
Portanto, sem esse sistema privado, a saúde brasileira simplesmente entraria em colapso, milhões de pessoas seriam prejudicadas. Logo, esse "acessório" deveria ser tratado como essencial. E entretanto, as autoridades reguladoras nos governos Lula e Dilma mantém uma atitude, digamos, de bronca pesada com o setor privado. Para resumir: controlam o preço das mensalidades (das operadoras - planos e seguradoras) e exigem a prestação de cada vez mais serviços limitam a receita e impõem ampliação do atendimento, ou seja, dos gastos.
É como se esse sistema privado tivesse que ser punido. Por que? Ora, porque é a demonstração concreta dos fracassos do SUS. O pretexto, como sempre, é que o sistema precisa de regulação e que os consumidores (pacientes) devem ser protegidos da sanha de lucro das companhias privadas.
Mas o que conseguem? Uma piora do serviço nos planos e seguros mais acessíveis às classes médias e o encarecimento brutal daqueles que dão direito à medicina fornecida por hospitais como o Sírio.
É como se esse sistema privado tivesse que ser punido. Por que? Ora, porque é a demonstração concreta dos fracassos do SUS. O pretexto, como sempre, é que o sistema precisa de regulação e que os consumidores (pacientes) devem ser protegidos da sanha de lucro das companhias privadas.
Mas o que conseguem? Uma piora do serviço nos planos e seguros mais acessíveis às classes médias e o encarecimento brutal daqueles que dão direito à medicina fornecida por hospitais como o Sírio.
Assim, quem pode ser curado nos hospitais de ponta? Os muito ricos, que pagam diretamente as famílias de renda alta, que podem pagar planos e seguros de ponta empregados de boas companhias privadas que pagam parte das mensalidades autoridades, funcionários públicos de escalão elevado e políticos lá de cima, financiados pelos órgãos públicos, ou seja, pelos contribuintes.
Classes médias já vão para os hospitais de segundo nível. E o povão vai para as filas do SUS, para ser tratado com equipamentos e medicamentos inferiores.
Algo saiu errado, pois há sistemas públicos de saúde que funcionam melhor que o brasileiro, a custos proporcionais. E há sistemas privados mais baratos e mais acessíveis que os nossos.
(Carlos Alberto Sardenberg)
* Fonte: O Estado de S. Paulo - 7 de novembro de 2011
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