segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Quando a gente gosta, cuida

Izabel Gurgel
Jornalista e diretora do Theatro José de Alencar (TJA)
 

Dia 8 de março de 2007 iniciamos com Silêda Franklin uma gestão no Theatro José de Alecar (TJA). Olhamos a Praça José de Alencar como se fosse a primeira vez. De-so-la-dor. Ouvi Silêda: “Pior do que está não fica”. Em silêncio, memória acionada do que vivi na região desde menina, lembrei do que digo que aprendi com a literatura, mas é do tutano do existir: sempre pode piorar.

O que vivemos hoje no Centro é regurgitação do que engolimos na cidade toda. Fortaleza lembra uma música de Caetano: parece construção e já é ruína. Digo com dor, escrevo com dó. De nós mesmos, sobretudo (é horrível sentir pena de si). Somos uma cidade que destruiu as calçadas. Como vislumbrar horizonte quando se perdeu o chão? Para onde quer ir uma cidade que sequer pode andar? Que cidade é essa cuja população transita, parece que sem estranhamento, como uma horda miserável de predadores de si, a topar um acordo mútuo de desmonte da vida em comum, a produzir e viver em meio ao lixo nas ruas, nas praias, nas praças, sem saber mais se indignar? Se não temos chão, não dá para caminhar mirando o que há de vir ou apreciando a paisagem. Só se olha para baixo. A visão encurta, o corpo desaprende a fruição do espaço, a ver o outro. Viver é só uma tentativa de escapar. Qualquer movimento é travessia sob ameaça. Não à toa, cruzamos os dias tomados pela sensação de exaustão.


Vigio-me para não perder a vergonha, o desconforto que sinto ao andar na cidade. Sim, alerta contra a banalização do padrão atual do nosso cenário, mais e mais tornado norma, amputando-me de experiências simples de vida urbana que me foram tão corriqueiras.

Não lamento supostas perdas em relação ao passado. Assusta-me a precariedade do presente e a destruição de futuros. Sei da fúria dos nossos modos de existir, posso senti-la com tanta argúcia quanto cada gesto de delicadeza, miúdo que seja. Corrijo: gentileza nunca é pequena. É imensidão. Talvez tenhamos desaprendido o exercício de ser grande, de estar à altura da vida.

Que lugar potente o Centro de Fortaleza! Pode nos dizer sobre como vivemos (n)a cidade. Vamos cuidar do Centro, da cidade. É cuidar de si: quando a gente gosta, cuida. Por isso escrevo. Por isso iniciamos junto com a gestão do TJA uma série de encontros com equipes de instituições culturais da área, batizados de Viva o Centro! Um desejo manifesto de vida. Só isso. Sim, escrevo fragmentos de um discurso amoroso sobre o lugar onde vivo.

Compreendo a região como a que mais explicita Fortaleza. Perceba: são fragmentos tocados pelo desespero. Cansei do desespero mudo mesmo sabendo o quão eloquente pode ser o silêncio. Sei que uma outra experiência de cidade é possível e ela não pode descartar o Centro ou transformá-lo em aterro sanitário das nossas relações sociais. Está à flor da pele nossa patologia da vida em comum. Você não acha que abrir mão de uma região que tem o Passeio Público, o TJA, o Instituto Histórico do Ceará, vista para o mar ao final de cada rua no alto da colina que deixamos de ver, diz de uma certa esquizofrenia, algo partido? Mas a vida não cessa de brotar. É como a poesia. Tão necessária em tempos de penúria quanto na abundância. Sabe que o ipê da Praça José de Alencar ainda floresce em meio à aridez da terra devastada?

* Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/10/08/noticiaopiniaojornal,2312262/quando-a-gente-gosta-cuida.shtml

2 comentários:

Célio Ferreira Facó disse...

Dá um GRITO PUNGENTE DE SOCORRO pelo Centro Histórico de Fortaleza a diretora do Teatro José de Alencar.

AFLITO CENTRO - angustiado, ferido, ocupado e desolado, confuso, a pedir o olhar e o curativo dos governos locais.

Mas os GOVERNOS LOCAIS MALBARATAM o Centro histórico de Fortaleza, retiram dele os equipamentos vitais que lhe dariam a seiva.

A calçada do belo Teatro José de Alencar é um antro perigoso onde estar, estacionar, andar.

Um Centro de Convenções, o Executivo Estadual o quis antes na congestionada Washington Soares.

Hoteis definham, lojas fogem, transformados em estacionamentos imundos e caros. Ou prédios fantasmas ocupados pela pobreza e o vício dia e noite.

Recursos públicos vão antes, por INVERSÃO DE PRIORIDADES, para as praias, a festança, o asfaltamento, o alheamento Cidade afora.

Fortaleza perdendo o Centro, a História por causa dos GOVERNOS LOCAIS OMISSOS E ALHEADOS.

Anônimo disse...

Já havia afirmado isso antes e agora reproduzo aqui uma matéria publicada na Folha de São Paulo que mostra que nosso amigo Célio Facó guarda ainda, no seu modo de expressar-se, reminiscências dos primeiros hominídeos:

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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/989028-ancestrais-humanos-falavam-como-yoda-de-guerra-nas-estrelas.shtml

11/10/2011 - 15h27
Ancestrais humanos falavam como Yoda de 'Guerra nas Estrelas'

DA "NEW SCIENTIST"

Dois linguistas afirmam ter indícios de como nossos ancestrais falavam cerca de 50 mil anos atrás. Para o estudo, a dupla compôs ramificações com 2.200 línguas usadas pelo homem.

Estudo de dois linguistas diz que ancentrais do homem falavam na ordem sujeito-objeto-verbo, como Yoda

Merritt Ruhlen, da Universidade Stanford (Califórnia) e Murray Gell-Mann, do Instituto de Santa Fé (Novo México), estudaram tanto os idiomas que ainda estão em vigor quanto aqueles que, com o passar do tempo, tornaram-se praticamente extintas.

As primeiras, que se enquadram entre as modernas, são caracterizadas pela construção como a do português, com sentenças de sujeito-verbo-objeto. As segundas se pareciam mais com o latim, com frases formadas por sujeito-objeto-verbo.

Segundo os dois pesquisadores, a linguagem ancestral humana seguia a segunda ordem de palavras. Seria o mesmo que dizer que os primeiros ancestrais do homem se comunicavam entre eles em um estilo bem parecido ao de Yoda, mestre dos Jedis no filme "Guerra nas Estrelas".

A explicação da dupla é que as línguas que adotam sujeito-verbo-objeto sempre descenderam das outras com sujeito-objeto-verbo. Mas o contrário nunca poderia ocorrer, mostram as análises dos dois linguistas.

O estudo consta na revista americana "PNAS"

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É apenas um gracejo, caro Facó.

Kilmer Castro