Os protestos
ocorridos no Brasil na última semana ecoaram pelo mundo, sendo destaque dos
principais jornais internacionais. A motivação para a mobilização, apesar de
variada, concentrava-se na cobrança de ações mais incisivas dos policy makers no tocante à mobilidade
urbana, combate à corrupção e temas sociais.
No Ceará esse
movimento trouxe uma crítica às prioridades das políticas públicas, com ênfase
excessiva nos grandes eventos e uma menor preocupação com as atividades básicas
do estado. O mote “mais pão, menos circo” mostra que ganha corpo um sentimento
de falência múltipla das políticas sociais e que a sociedade se levanta em
busca dos seus direitos.
Vamos citar
apenas um tema, a saúde, para mostrar que a preocupação social é fundamentada.
Em março do ano passado, o Ministério da Saúde divulgou o IDSUS, indicador que
avalia o desempenho do Sistema Único de Saúde – SUS quanto ao acesso e
efetividade da Atenção Básica, das Atenções Ambulatorial e Hospitalar e das
Urgências e Emergências. O Ceará foi reprovado, com nota de 5,14 ficando abaixo
da média nacional (5,47), o segundo pior do Nordeste e o 19° lugar na
comparação nacional.
IDSUS – Notas dos Estados do Nordeste (Fonte: Ministério da Saúde)
Apesar da
imagem passada pela propaganda oficial, a saúde do Ceará aparece atrás de
estados considerados mais pobres, como Maranhão, Piauí e Alagoas. O nosso
estado só não ficou entre os quatro piores por conta das condições adversas dos
estados da região norte, onde a condição geográfica é peculiar e a população
esparsa no meio da floresta amazônica, dependendo do transporte aquaviário. Só
para citar um exemplo, o município de Altamira, no Pará possui uma área
superior a de todo o estado do Ceará, com uma população de apenas 99 mil
habitantes, dando mostras do enorme desafio de se entregar os serviços de saúde
naquela região.
Saúde de fantasia
O Ceará vive
uma época em que a grandeza das comemorações suplanta o objetivo daquilo que se
comemora. No final do ano passado, a propaganda oficial dava conta da grandiosidade
da festa de inauguração de um dos hospitais regionais, em evento com artista de
renome nacional, cujo cachê custou a bagatela de R$ 650 mil. Menos de um mês
após a inauguração, a marquise do hospital ainda em obras caiu, ferindo dois
trabalhadores – que não puderam ser atendidos no próprio hospital por falta de
estrutura.
A fantasia
da modernidade da saúde do Ceará é aparente nas belas fachadas espelhadas, como
se a beleza da construção trouxesse ganhos na qualidade dos serviços que são
prestados, a despeito da necessidade de investimentos constantes no custeio e
em profissionais qualificados. Médicos, dentistas, enfermeiros e auxiliares de
enfermagem ainda são as peças mais importantes para a promoção de serviços de
saúde de qualidade, mas isso é pão e não circo.
A
fragilidade da oferta de UTI neonatal dá bem a dimensão da inversão de
prioridades. Em todo o estado, existem apenas 162 leitos, sendo que 122 estão
em Fortaleza. Existem iniciativas em se aumentar esse número, com mais vinte
vagas para o interior e mais dez vagas em Fortaleza, no Hospital da Mulher, mas
se levarmos em conta que nascem cerca de 160 mil crianças por ano no estado,
tem sido comum a imprensa noticiar a existência de filas, tal é a demanda por
esses leitos.
A população
pede mais saúde, mais educação, mas segurança e melhor qualidade de vida em
nossas cidades. Os ecos que vêm das ruas são cada vez mais estridentes. É
impossível não ouvi-los.